
Reviver o espírito de Mossul
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Em fevereiro de 2018, a UNESCO lançou a iniciativa “Reviver o Espírito de Mossul” na Conferência Internacional para a Reconstrução do Iraque no Kuait. Reuniu a comunidade internacional sob sua égide para participar da reconstrução dessa cidade, que foi dizimada pela guerra, pilhagem e destruição. Essa reconstrução deve fazer parte da história de Mossul – uma história plural, que se desenvolveu no cruzamento de culturas e religiões do Oriente Médio.
Mossul viu seu patrimônio ser saqueado, sua identidade ferida pelas mãos do Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL). A destruição foi dirigida aos locais de adoração (mesquitas e igrejas), o santuário de Nabi Yunus e as estátuas Assyrian e Parthian, e os afrescos do Museu de Mossul. A biblioteca da cidade, com seus vários milhares de textos antigos, foi deliberadamente incendiada. Antiguidades foram traficadas.
A ocupação do EIIL devastou completamente o sistema educacional do Iraque, do pré-primário ao ensino superior. Quando temas como a história ou as artes foram substituídos com conteúdo destinados a incitar o ódio, a grande maioria das famílias decidiu tirar seus filhos da escola. Aqueles que permaneceram foram submetidos a doutrinação sistemática, principalmente por professores que eram forçados a transmitir a ideologia extremista do grupo.
Considerando essas observações, não é apenas o patrimônio cultural que precisa ser restaurado, mas também a dignidade e a memória. A UNESCO decidiu, então, mobilizar a comunidade internacional para propor uma iniciativa que combinasse o patrimônio, a cultura e a educação. Ela está sendo implantada em colaboração com o governo do Iraque e envolve múltiplos atores – países vizinhos, organizações internacionais e a União Europeia (UE). A iniciativa visa a dar uma nova perspectiva, um novo ímpeto, à Mossul.
Além da restauração de monumentos e da reabilitação do tecido urbano histórico de Mossul, um projeto para reconstruir casas na cidade antiga (Mossul e Basra), e para treinar profissionais do patrimônio cultural será implementado com o apoio da UE. Isto tem como base um enfoque participativo que se concentra no desenvolvimento de capacidades e na criação de empregos para promover a coesão social e a reconciliação da comunidade.
Sob mesma perspectiva, o inventário dos locais religiosos danificados pelo EIIL resultou em uma publicação que servirá como suporte para workshops de diálogo inter-religioso, permitindo a recriação de vínculos entre as comunidades. Um plano de emergência para a salvaguarda do patrimônio imaterial em perigo e a criação de “espaços culturais móveis” para pessoas deslocadas e comunidades anfitriãs está sendo preparado.
Ao mesmo tempo, o governo iraquiano solicitou que a UNESCO desenvolvesse uma estratégia nacional de educação para o período de 2020-2030, a fim de reconstruir as fundações de um sistema educacional que atenda às necessidades de sua população. Simultaneamente, projetos educacionais estão sendo implementados com o propósito de prevenir a ressurgência do extremismo e recriar as condições para a convivência.
Dois projetos terão como objetivo garantir que as escolas primárias na cidade antiga de Mossul sejam locais seguros onde os estudantes possam florescer, aprender e interagir com os outros com respeito, contribuindo assim para a tolerância e a convivência pacífica em longo prazo.
Esses projetos, apoiados pelo Japão e pela Holanda, têm como base uma abordagem holística que envolve crianças, mas também professores, comunidades, pais e a equipe educacional na prevenção do extremismo. A modernização do ensino superior também será uma ação fundamental na reconstrução do país e de seu sistema produtivo. Além de uma abordagem puramente econômica, é uma questão de permitir que instituições, como a biblioteca da Universidade de Mossul, voltem a se tornar os epicentros culturais e intelectuais que costumavam ser.
Esses diferentes projetos buscam os mesmos objetivos: proteger, reconstruir e educar. Porque a cultura e a educação são as únicas repostas em longo prazo para se combater a violência do extremismo e seu poder destrutivo. Essa abordagem está alinhada com a visão do governo do Iraque, uma vez que cabe às autoridades iraquianas conduzir essa iniciativa localmente, enquanto a UNESCO continua seu papel de coordenação.
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Stefania Giannini e Ernesto Ottone Ramirez
diretores-gerais adjuntos de Educação e de Cultura, UNESCO.