Atores não estatais, com as cidades em primeiro plano, devem ser os primeiros a semear as sementes de uma sociedade livre de carbono. A fim de evitar o pesadelo da mudança climática, devemos reduzir nossas emissões de carbono para além do exigido pelo Acordo de Paris. Isto requer ações coordenadas em âmbito internacional e iniciativas concretas como o transporte elétrico, a descarbonização da habitação e uma transição de energia em grande escala.
Manuel Guzmán Hennessey
Antes da publicação do Relatório epecial do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) em outubro de 2018, acreditava-se que 2° C seria o ponto crítico (limiar crítico em que o clima muda de estado estável para outro) do aumento na temperatura média da Terra. Como aprendemos desde então, agora é de 1,5°C. Se este limiar for ultrapassado, observam os cientistas do IPCC, a sociedade enfrentará consequências devastadoras. Estas incluem a perda de ecossistemas e espécies inteiras, o derretimento das calotas polares e aumento do nível do mar, intensas ondas de calor e secas, e uma maior intensidade e frequência de fenômenos meteorológicos extremos
O Acordo de Paris de 2015 (COP21)
não é suficiente para deter essa catástrofe. Os cientistas explicaram que, a fim de limitar o aquecimento global a 1,5°C em vez de 2°C, como estabelecido neste Acordo, seria necessário reduzir as emissões globais líquidas de dióxido de carbono (CO2) em cerca de 45% dos níveis de 2010 até 2030, e alcançar emissões de carbono líquido zero até 2050. As metas de redução das emissões estabelecidas pela COP21 são, em média, de 25%.
O que deve ser feito? O IPCC pediu “mudanças rápidas, abrangentes e sem precedentes em todos os aspectos da sociedade”, que essencialmente envolvem a redução de nossas emissões de carbono. As emissões acumuladas de CO2 e o aumento médio da temperatura da Terra estão diretamente relacionados à produção e ao consumo de combustíveis fósseis. A consequência é o aquecimento global sem precedentes – os últimos três anos foram os mais quentes da história.
Vislumbres de esperança
Então, o que explica a certeza dos cientistas que dizem ser possível estabelecer as bases de uma sociedade livre de carbono até 2030? Segundo eles, a sociedade de emissões líquidas zero é inteiramente possível. E não se trata de uma sociedade “alternativa” ou um modelo social experimental. A descarbonização é a nova condição para a viabilidade da vida no planeta.
Entre as fontes mais fidedignas sobre o assunto está a Agência Internacional de Energia (International Energy Agency - IEA), que edita sua relevante publicação World Energy Outlook (WEO), todos os anos desde 1977. A partir de sua análise, pode-se concluir que os novos atores no combate à mudança climática – grupos não estatais formados por cidadãos, empresários, governos das cidades e universidades – assumiram a liderança nos esforços de descarbonização. Diversas plataformas demostram as ações climáticas empreendidas por esses novos atores. Eles são um exemplo diário de uma transição que está fazendo avanços, que algumas vezes são mais rápidos do que o cumprimento das metas estabelecidas por seus próprios países. Aqui estão alguns exemplos dessas novas certezas que fomentam a esperança.
Em primeiro lugar, em 2016, a taxa de crescimento da capacidade instalada dos sistemas solares fotovoltaicos excedeu as de todas as outras fontes de energia. Desde 2010, o custo de novas instalações caiu em 70% para a energia solar fotovoltaica, e em 25% para a energia eólica. Além disso, o custo das baterias fotovoltaicas caiu em 40%. Entre 2020 e 2050, juntas, a energia eólica e a solar serão responsáveis por 48% do total de eletricidade. E o Conselho Europeu estabeleceu novas metas a serem alcançadas até 2030, que incluem a redução de 40% nas emissões de carbono, 27% de energia renovável no mix de energia, e uma melhoria de 27% na eficiência energética.
A ação climática das cidades
Parto da premissa de que uma sociedade descarbonizada é possível sob a condição de concentrarmos ações climáticas de transição na gestão das cidades, e se empreendermos essas ações de forma articulada e colaborativa em uma escala internacional entre 2020 e 2030.
Por que começar com as cidades? Porque elas respondem por 3/4 das emissões de Gases de Efeito Estufa e 2/3 do consumo mundial de energia. Cerca de 70% das cidades do mundo já enfrentam as consequências da mudança climática, e quase todas estão em risco. Até 2060, mais de 1 bilhão de pessoas – projetados em 10% da população mundial naquela época – viverão em áreas costeiras urbanas de baixa altitude, a maioria delas em países em desenvolvimento.
Estes números – fornecidas por Bahareh Seyedi, assessor de clima e energia do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) – oferecem uma visão geral da vulnerabilidade das cidades à mudança climática, e estimulam a reflexão.
É evidente que as cidades terão que desenvolver planos de ação climática até o final de 2020 – ou seja, amanhã! – para limitar o aquecimento global a 1,5°C e adaptar-se aos efeitos da mudança climática. Esses planos de ação podem ser estruturados em torno de três pilares: redução das emissões de CO2, aumento da resiliência e educação.
Reduzir as emissões de carbono inclui a transição dos sistemas de transporte; a eficiência energética; a gestão integrada do lixo e a promoção da reciclagem, e a renovação da infraestrutura urbana para alcançar padrões sustentáveis. O aumento da resiliência deve começar pelo reconhecimento de que as cidades são sistemas complexos e, portanto, devem responder de maneiras complexas aos efeitos da mudança climática. Esta abordagem inclui a adaptação dos territórios à mudança climática; gestão e prevenção de riscos; o fortalecimento dos sistemas de economia circular e local, e a implementação de sistemas energéticos descentralizados (para a produção, distribuição e comercialização dos excedentes de energia renovável). A educação dos cidadãos, especialmente dos mais jovens, é essencial, porque lhes permitirá implementar as transições de maneira ordenada e acelerada.
As cidades que seguem a rota de carbono líquido zero precisarão combinar o melhor do planejamento urbano e as tecnologias digitais de última geração para enfrentar esses desafios.
Elas terão que acabar com os combustíveis fósseis em suas ruas, comprando apenas ônibus de emissão zero a partir de 2025, para garantir que grande parte de suas cidades não mais tenham emissões de carbono até 2030.
Também será importante descarbonizar os edifícios, adotando regulamentos ou elaborando políticas para garantir que novos edifícios reduzam suas emissões de carbono para líquido zero até 2030 – com a medida sendo aplicável a todos os edifícios até 2050.
Outra medida fundamental seria reduzir a quantidade de resíduos gerados em ao menos 15% per capta até 2030, e reduzir em pelo menos metade o volume de resíduos sólidos urbanos enviados para aterros ou incineradores.
Por fim, as cidades terão que implementar ações climáticas com alto impacto social que ofereçam benefícios ambientais, sociais, econômicos e de saúde significativos, especialmente para comunidades vulneráveis e de baixa renda.
UNESCO: Water and megacities