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Grande Angular

O clima e a justiça social

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"Maskbook" (Livro de máscaras, em tradução livre), um projeto internacional artístico e participativo da Art of Change 21, uma associação que promove a conscientização do público sobre a questão climática.

Há uma tendência no debate público sobre a mudança climática para apresentar o uso e o desenvolvimento de tecnologias verdes como uma solução milagrosa ou panaceia. Muitas vezes esquecemos um aspecto: é essencial assegurar que seu desenvolvimento caminhe lado a lado com a justiça social. “A percepção de que não estamos lidando apenas com o aquecimento global, mas com o aquecimento global em um mundo desigual e injusto, ainda tem que ser entendida”, segundo Thiagarajan Jayaraman. Sem igualdade e equidade – em outras palavras, sem paz e segurança – não podemos combater a mudança climática de forma eficaz, insiste o especialista indiano em política climática.

Thiagarajan Jayaraman, entrevistado por Shiraz Sidhva

O atual impulso rumo a tecnologias verdes ofusca a necessidade de se concentrar em igualdade e justiça social no combate à mudança climática?

Esta é definitivamente uma questão que precisa ser explorada. Acredito que há um reconhecimento geral de que dificilmente pode-se enfrentar o que é a mais proeminente ameaça ambiental à humanidade enquanto se ignora questões de igualdade e justiça social. A tendência natural é argumentar que o combate à mudança climática deve acompanhar a justiça social. Infelizmente, o termo justiça social se dilui no habitual discurso de agência internacional, em que, algumas vezes, o tema é abordado, e então perde-se um entendimento específico do que significa a justiça social – significa coisas muito diferentes para pessoas muito diferentes.

Para mim, ao menos uma leitura de justiça social é ter um regime ou ordem social e econômica que leva ao aprimoramento, à extensão e ao desenvolvimento das capacidades humanas.

Obviamente, não se pode falar de salvar a humanidade enquanto se fala em tolerar injustiças no mundo social e econômico. Contudo, na prática, o que acontece é que há uma tendência em uma parte do governo – especialmente entre aqueles que são ambientalistas – para argumentar que uma é tão importante que a outra deve ser colocada em segundo plano. Por exemplo, desativam-se fábricas que estão poluindo antes de preocupar-se com o que acontecerá com aqueles que lá estão empregados. Este tipo de problema é onde a questão da equidade e da justiça torna-se muito significativa.

Então, como se evita essas armadilhas da desigualdade social enquanto se empreende o desenvolvimento da infraestrutura verde?

Isto não é apenas uma questão sobre o desenvolvimento da infraestrutura verde, mas em todas as variedades de ação climática, e não há solução fácil para isso. Fingir o contrário é nos enganar. Por exemplo, as pessoas falam de adaptação, de vulnerabilidade ou de lidar com as necessidades dos vulneráveis de determinado modo como parte da adaptação. Este é o mesmo jargão, levemente deslocado, que vem de conversas anteriores sobre a erradicação da pobreza, como meios de subsistência sustentáveis. Não é como se tal conversa fizesse muito para impulsionar a erradicação da pobreza. Não existe caminho fácil para garantir a equidade social como parte da ação climática. Como todas as outras agendas de desenvolvimento, a luta por um mundo equitativo e justo é uma luta contínua, e permanecerá. O importante é ficar muito claro que o clima não é exceção.

Há uma tendência, que se tornou proeminente recentemente, desde a publicação do Relatório especial sobre o aquecimento global de 1,5 °C, do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), em que se procura argumentar que um mundo de 1,5 °C é naturalmente equitativo. Acredito que isso é absolutamente falso – não é possível obter justiça social, igualdade e desenvolvimento mantendo o aumento da temperatura média mundial em 1,5 °C... Isso equivale a dizer que todos os problemas de injustiça são de origem ambiental, o que é, obviamente, uma afirmação absurda.

Os políticos que estão cientes da ameaça da mudança climática e de seu alcance têm tentado fazer com que as empresas apoiem as indústrias verdes, dizendo que criarão milhões de novos empregos e novas oportunidades de crescimento. A justiça social faz parte dessa equação?

Até agora, tem havido uma tendência de proteger empresas e esperar que elas façam o certo pela mudança climática e justiça social. Contudo, esta é uma estratégia condenada ao fracasso.

Os países desenvolvidos chegaram a um impasse a respeito disso nas negociações sobre o clima. Eles vão e voltam sobre impostos e mercado de carbono, mas por que não podem atribuir certas metas a serem alcançadas por certas indústrias? Tem de haver regulamentos mais rigorosos. Caso contrário, devem ser obrigados a pagar o preço, e isso dificilmente parece estar na agenda. Acreditar que, de alguma forma, se pode seduzir as empresas a agir moralmente, ou intimidá-las para que tomem os passos certos, parece-me um pouco absurdo. Não acredito ser um ponto de vista muito útil também – a economia não funciona assim. Empresas como a Shell e a ExxonMobil fazem ruídos de maneira educada sobre investimentos em tecnologias verdes e, então, tocam seus negócios como de costume.

Acredito ser necessária uma estratégia de duas frentes sobre tecnologia para o mundo: nos países desenvolvidos, fazer um grande esforço a fim de rapidamente se converterem para tecnologias verdes, o que não está acontecendo rápido o suficiente. Por exemplo, muitos países desenvolvidos ainda estão pensando em substituir gás por carvão – ambos são combustíveis fósseis – em vez de buscar por energias renováveis.

A outra parte da estratégia é que os países em desenvolvimento devem dar saltos de forma moderada. Isso tem que ser feito de forma sensata. Não se pode esperar que eles saltem de séculos de queima de biomassa para a energia solar de última geração. Mover uma economia de um nível de uso e eficiência energética para um outro completamente diferente não é apenas uma questão de dizer: “se tentar o suficiente, isso pode ser feito”. É mais complicado do que isso.

Os países desenvolvidos estão dispostos a ajudar os países em desenvolvimento a alcançar este salto para ajudar a combater a mudança climática?

O esforço é muito irregular. Onde os países desenvolvidos percebem oportunidades, estão interessados em trazer suas tecnologias aos países em desenvolvimento, como em veículos elétricos. O outro problema é que querem soluções tudo-ou-nada, o que não funcionará. Por exemplo, querem que a Índia não invista em carvão. Meu ponto é, quando os países desenvolvidos são incapazes de implementar a transição de carvão para energias renováveis e, efetivamente, fazem apenas carvão para gás, por que estão pedindo aos países em desenvolvimento que façam isso

Por que os países desenvolvidos são tão morosos em reformar o setor de transporte? Por que não há um incentivo pela mobilidade elétrica nos países desenvolvidos, comparável ao incentivo que está ocorrendo em países como a Índia e a China? A China tem cidades inteiras, como Shenzhen, que funcionam com transporte elétrico. Não há nada do tipo no Ocidente. Esqueça a mobilidade elétrica – mesmo as normas mais rigorosas sobre emissões foram adiadas por mais alguns anos na União Europeia (UE). O transporte é um setor em que os países desenvolvidos têm saído impune fazendo muito pouco.

Em uma ampla variedade de outros setores, a urgência que surge nas conversas dos cientistas climáticos não se reflete nas políticas e em ação climática real. Mesmo os documentos oficiais dos próprios países desenvolvidos indicam que terão dificuldades em atingir suas metas de Contribuição Nacionalmente Determinada (Nationally Determined Contributions – NDC) no ritmo em que estão se movimentando atualmente. Não há praticamente nenhum furor sobre isso nos círculos de política climática.

Se a mudança climática agravar as consequências diretas e indiretas – um aumento na migração, por exemplo – também afetará os países ricos. O sr. acredita que o interesse próprio – como a mitigação da migração – pode motivar os países ricos a apoiar a justiça social?

Existem dois tipos de interesse próprio: um é o interesse próprio em uma ordem mundial estável, e o outro é o interesse próprio em seu próprio país. Contudo, quando se trata dos Estados Unidos, infelizmente não há sequer interesse próprio quanto às condições de vida no próprio EUA. Um estudo recente sugeriu que uma taxa mais alta de aquecimento nas latitudes mais altas criará muita atividade extra de tempestade, e isso se refere especialmente ao Canadá, aos EUA, à UE e à Rússia. Estes são os países – exceto, talvez, a UE, que não está na mesma categoria – que dificilmente discutem seus próprios países como os locais dos mais exigentes requisitos de adaptação, quando, na verdade, deveriam fazer isso. A Austrália é agora um enorme fardo de adaptação – todos aqueles incêndios florestais contribuem muito para a mudança climática.

Essa ideia de que a adaptação é um problema do terceiro mundo – e não de seus próprios países (desenvolvidos) – que ganhou espaço em parte do discurso político é, acredito, lamentável. De fato, se compararmos o aumento do nível do mar a 1,5 °C àquele de 2 °C – em termos do número de pessoas afetadas, a América do Norte tem o maior número absoluto de pessoas que serão afetadas, mais até que os Estados insulares. A ideia de que o interesse próprio deveria fazê-los se preocupar com as condições ambientais da vida humana no mundo desenvolvido em si, não está inteiramente lá. Isto chegou em casa, acredito que em alguma medida, na Europa, embora não pareça afetar todo seu comportamento. Contudo, creio que em muitos outros lugares, essa percepção ainda não aconteceu.

Existe essa nova onda de pensamento que atribui toda migração e conflitos às condições climáticas ou ambientais. Parte dela parece ser um esforço para despertar o interesse próprio dos países desenvolvidos, mas da perspectiva da segurança mundial. Contudo, a guerra ou os conflitos armados – que têm muito a ver com a migração – são em grande parte problemas de condições sociais e políticas, e não são motivados apenas pelo clima. Por exemplo, a migração norte-africana para a Europa tem muito a ver com a enorme desestabilização e derrubada de regimes que proporcionavam algum bem-estar básico, então, obviamente, as pessoas estão fugindo nas dezenas de milhares. A fusão disso com o impacto da mudança climática é absolutamente injustificável.

Um mundo pacífico e seguro é uma precondição para lidar eficazmente com a mudança climática. Contudo, isso não significa que a paz e a segurança surgirão porque se toma uma ação climática eficaz..

Preserving biodiversity with solidarity

Thiagarajan Jayaraman

Um acadêmico indiano que se concentrou em ação e justiça climática por mais de uma década, Thiagarajan Jayaraman é professor na School of Habitat Studies (Faculdade de Estudos de Habitat, em tradução livre) no Tata Institute of Social Sciences (Instituto Tata de Ciências Sociais, em tradução livre), em Mumbai, na Índia. Ele também é membro do Conselho de Planejamento do governo do estado de Kerala, e trabalhou com o governo da Índia em questões de política climática.