As cidades modernas, com suas vias pavimentadas e torres de vidro, dificilmente estão adaptadas para lidar com o esperado aumento das temperaturas. Projetados para fornecer sombra e circulação do ar, os prédios tradicionais do Oriente Médio e dos países do Golfo e da África podem inspirar habitats mais sustentáveis e ecológicos em outras partes do mundo.
Amin Al-Habaibeh
Como resultado do aquecimento global e do aumento dos níveis dos gases de efeito estufa (GEEs), é cada vez mais provável que cidades por todo o mundo sejam expostas a temperaturas extremas. Isto é particularmente verdadeiro nos países do Golfo Pérsico, onde se espera que as temperaturas aumentem para mais de 50°C durante o século XXI. Contudo, essas ondas de calor não pouparam outras regiões do mundo – em especial a Europa, onde, durante o verão de 2019, temperaturas recordes foram alcançadas na França, no Reino Unido e na Suíça, entre outros países.
Atualmente, os estilos de vida e a arquitetura dependem de ar-condicionado e de materiais modernos, como concreto, asfalto e vidro. Esses materiais, no entanto, não são adaptados a temperaturas elevadas. O vidro reflete a radiação solar para áreas vizinhas, criando ilhas de calor e o risco de um efeito estufa dentro dos prédios. O asfalto também absorve grande parte dos raios solares, o que converte em fluxo de calor – dessa forma, contribuindo para o aquecimento do ambiente local. O concreto, por outro lado, consume muita energia durante sua produção, o que contribui para o aquecimento global por meio das emissões de carbono. Além disso, o planejamento urbano moderno não favorece o transporte público. Isso torna os carros particulares uma necessidade, ocasionando mais poluição e ilhas de calor localizadas, especialmente quando combinado com os sistemas de ar-condicionado dos prédios.
Historicamente, antes da adoção do estilo de vida moderno, a maioria das pessoas no planeta vivia de maneira mais harmoniosa com o meio ambiente. Eram agricultores dentro de oásis, comunidades rurais agrícolas ou pesqueiras, beduínos ou nômades que moravam em tendas no deserto, ou habitantes urbanos que moravam nas cidades.
Os materiais que escolhiam para construir suas moradias vinham do meio ambiente. Aqueles eram sustentáveis, adaptados ao seu estilo de vida e fundamentados no que hoje é chamado de “economia circular”. Devido ao seu estilo de vida itinerante e à criação de animais, os beduínos viviam em tendas que eram otimizadas, para a proteção contra as intempéries e a flexibilidade. As tendas eram projetadas e montadas para funcionar de forma eficaz com o meio ambiente – eram tecidas usando os recursos disponíveis, como pelos de cabra e lã de ovelhas. Por isso, em árabe, elas são chamadas de “casas de pelos”.
Materiais ecológicos
O material do qual a tenda é feita permite a circulação do ar. Quando são molhadas, as fibras se tornam inchadas e impermeáveis, o que é ideal durante o tempo chuvoso. No tempo quente e seco, os beduínos molhavam as tendas e a área adjacente, bem como umedeciam outros pedaços de tecido e tapetes para reduzir as temperaturas, por meio da evaporação da água. A alta capacidade de isolamento térmico da tenda possibilitava condições amenas no verão e calor no inverno, por meio de uma pequena fogueira. Nada nos impede de usar materiais semelhantes para criar arquitetura moderna, a fim de tornar as temperaturas mais suportáveis.
Os prédios do passado, por outro lado, foram projetados com paredes muito espessas, com o uso de materiais naturais e ecológicos como o calcário e a lama natural, que, em alguns casos, eram misturados às plantas locais do deserto. Isso proporcionava um material de construção com alta capacidade térmica para regular a temperatura dos prédios. O material tinha a vantagem de ser capaz de absorver a umidade durante o período da noite, que evaporaria ao longo dos dias quentes e ensolarados, proporcionando assim o necessário efeito de resfriamento. Esse efeito é evidente no Palácio Vermelho, em Al-Jahra, no Kuwait – um excelente exemplo da tecnologia arquitetônica e de construção que existia na região do Golfo.
Em climas quentes, as cidades e os prédios eram projetados para otimizar a sombra, reduzir o ganho térmico direto ou indireto da radiação solar, regular a temperatura dos prédios e aumentar a circulação de ar para resfriamento. As ruas eram pavimentadas com pedras naturais, ou eram simplesmente cobertas de areia. Isso significava que elas reagiam muito melhor a temperaturas altas do que o asfalto utilizado atualmente. Com vias e becos estreitos, assim como prédios construídos próximos uns aos outros, a proporção da área exposta ao sol em relação ao volume total dos prédios era reduzida ao mínimo.
Opção por sombra e ar
Os prédios eram projetados com pátios internos cercados por salas ou paredes – na maioria dos casos, de todos os lados. Isso criava uma grande área para atividades sociais à noite e no final da tarde, devido à maximização da sombra proporcionada pelas salas ao redor. Na maioria dos casos, o pátio central continha árvores e uma fonte ou poço, que era usado para captar água da chuva. Ao meio-dia, o pátio funcionava como uma chaminé, para que o ar quente subisse e fosse substituído pelo ar mais frio das salas ao redor, o que melhorava a circulação do ar.
Esse tipo de arquitetura era muito comum em Damasco, na Síria, e na Andaluzia, na Espanha. As ruas estreitas podiam ser cobertas com materiais leves das tamareiras. Isso melhorava a circulação do ar entre as ruas e os pátios dos prédios, por meio das salas. A textura e a coloração arenosa das paredes limitava a absorção e a emissão do calor irradiado.
O vidro não era um material de construção comum no passado. Alguns cômodos tinham apenas duas janelas. A primeira era uma pequena claraboia, localizada bem no alto e mantida aberta para a circulação do ar e entrada da luz natural, ao mesmo tempo em que preservava a privacidade. Uma segunda janela, maior, era geralmente mantida fechada, com persianas de madeira que permitiam um fluxo de ar no cômodo, de modo a também proteger a privacidade.
A mashrabiya, uma janela saliente com treliça de madeira entalhada, geralmente localizada nos andares mais altos dos prédios, garante uma melhor circulação do ar e protege contra a exposição direta ao sol. Essa era uma característica comum dos prédios em muitas regiões do Oriente Médio, incluindo o Egito, a região de Hejaz na Arábia Saudita, e o Iraque – onde as janelas são conhecidas como roshan ou shanasheel. Alguns prédios no Golfo tinham uma torre de vento para criar ventilação natural, onde era possível abrir e fechar portas no teto, dependendo da direção do vento – desempenhando uma função semelhante à dos sistemas modernos de refrigeração do ar.
Outras características da concepção de prédios eram as estruturas elevadas e os claustros, a fim de maximizar a sombra e melhorar a circulação do ar. Eram frequentemente usados com abóbadas, para aumentar internamente o volume de ar e reduzir o ganho térmico externo. A ideia era criar um diferencial térmico que produzisse uma brisa refrescante, independentemente da efetiva velocidade do vento.
Simbiose com a natureza
Na África, cabanas de lama ainda são construídas atualmente. Com um design sustentável e simples, feitas de lama e palha, as cabanas não apenas oferecem resfriamento passivo, mas também são rápidas de se construir, baratas e recicláveis. O mesmo se aplica às tradicionais casas de junco feitas pelo povo Madan, ou “árabes dos pântanos”, nas regiões pantanosas do sul do Iraque – sua estrutura e design únicos oferecem proteção com maior circulação do ar.
Em Petra, na Jordânia, o povo Nabateu levou essa simbiose com a natureza ainda mais longe, por meio do uso da inércia térmica do solo. Eles criaram uma cidade engenhosamente planejada, com moradias inovadoras e um eficiente sistema de captação da água da chuva. Os habitantes originais tiraram proveito das montanhas naturais da região, construindo suas habitações na encosta das montanhas. Isso garantiu temperaturas bem reguladas no verão e no inverno – ao contrário dos prédios modernos, nos quais as temperaturas oscilam de acordo com a estação.
Estruturas e conceitos semelhantes, que usam a inércia térmica do solo, também podem ser encontrados na Capadócia, na Turquia; nas habitações nos penhascos dos índios Sinagua, no Castelo de Montezuma, no Arizona; e nas cavetes, ou cavernas escavadas pelo ser humano, e nos caminhos esculpidos em rochas tufo macias em Tsankawi, no Novo México – ambos nos Estados Unidos.
Um dos projetos arquitetônicos históricos mais fascinantes, as habitações subterrâneas dos trogloditas, pode ser encontrado na vila bérbere de Matmata, no sul da Tunísia. Construídas por meio da escavação de um grande fosso no chão, geralmente em um local montanhoso, as cavernas, que servem como cômodos, são esculpidas a partir do fosso central, que se torna um pátio central. Esse design garante um excelente isolamento térmico. Uma das habitações de Matmata, agora convertida em um hotel, apareceu no filme Guerra nas Estrelas: Episódio IV – Uma Nova Esperança, de 1977, como o lar de Luke Skywalker no fictício planeta deserto de Tatooine.
Adaptar seu estilo de vida era mais uma forma de as pessoas lidarem com as condições climáticas extremas no passado. O dia de trabalho começava pouco antes do amanhecer, e as pessoas buscavam refúgio do sol do meio-dia até o final da tarde – quando retomavam suas atividades e socializavam em temperaturas mais amenas. Essa cultura ainda é praticada no Oriente Médio e na Espanha, onde a siesta é respeitada. A água potável é armazenada em jarras de barro ou em sacos de água feitos de peles de animais e mantidos na sombra. O processo de evaporação cria um efeito de resfriamento para a água armazenada e para os arredores.
As pessoas trajavam roupas feitas de materiais naturais – os estilos de vestimentas folgadas foram pensados para melhorar o resfriamento e a circulação do ar, ao mesmo tempo em que cobriam a maior parte do corpo para evitar queimaduras de sol. As cabeças e os rostos de homens e mulheres eram frequentemente protegidos por lenços – concebidos para reduzir a perda de água pela respiração, filtrar a poeira, proteger da insolação e evitar o envelhecimento da pele. Esse tecido versátil é conhecido por diferentes nomes, dependendo do gênero, da região e do design.
Soluções modernas a partir de conceitos tradicionais
Na Europa, as pessoas têm utilizado adegas para preservar vinho em uma faixa específica de temperaturas, usando a inércia térmica do solo. Esse conceito pode ser aprimorado para fornecer temperatura regulada tanto em clima quente quanto em frio. Incorporar projetos tradicionais na arquitetura moderna pode ser mais uma solução para enfrentar a mudança climática. O uso da arquitetura tradicional funcionou bem para alguns prédios modernos em Sevilha, na Espanha, por exemplo. Uma fonte de água no meio de um pátio cercado por árvores e pela estrutura do prédio funciona bem para reduzir a temperatura.
A cidade de Masdar, um projeto urbano planejado em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos (EAU), tem procurado combinar lições do passado com tecnologias modernas – com o uso de janelas mashrabiya, ruas estreitas e cores tradicionais.
Outros países do Golfo também estão trabalhando para projetar edifícios ecológicos sustentáveis. Com as pesquisas em andamento e o aprimoramento dos materiais de construção e de pavimentação, os projetos de edifícios e o planejamento urbano, o isolamento e o uso de energias renováveis, as cidades do Golfo e de outros países com temperaturas elevadas são capazes de manter um estilo de vida confortável – com níveis de emissões de carbono e uso de combustíveis fósseis consideravelmente mais baixos.
Na Europa, onde se espera que as temperaturas variem entre o calor e o frio extremos no futuro, um bom começo seria aumentar a espessura das paredes dos prédios, acrescentando isolamento e materiais naturais. Isso reduziria a necessidade de aquecimento no inverno e de ar-condicionado no verão.
Felizmente, o aumento das temperaturas também provoca um aumento da energia solar renovável. Na maioria das residências, o uso do energia solar fotovoltaica, combinada com um melhor isolamento, poderia fornecer a energia necessária para operar os sistemas de ar-condicionado. Porém, isso criaria ilhas de calor nas vias – particularmente nas feitas de asfalto, como é o caso atualmente. Plantar mais árvores ajudaria a regular a temperatura nessas condições e proporcionaria um ambiente mais fresco.
O uso de materiais naturais novos ou inovadores que absorvem a umidade e aumentam a capacidade térmica poderia regular o ganho de calor e auxiliar o processo natural de resfriamento. O planejamento urbano inteligente, que simula cidades antigas, poderia tornar o uso do transporte público limpo uma opção mais viável. Como a temperatura da água do mar é mais regulada do que a do ar, substituir os sistemas de ar-condicionado existentes por sistemas de refrigeração e aquecimento em larga escala no âmbito local poderia fornecer uma alternativa sustentável. A mesma tecnologia também poderia ser aplicada à água de rios e à água de minas de carvão inundadas.
Existem muitas lições a serem aprendidas de prédios tradicionais em todo o mundo. Ao longo dos séculos, as pessoas projetaram edifícios para serem sustentáveis em termos de exigências de aquecimento e resfriamento, usando técnicas engenhosas e materiais sustentáveis provenientes do ambiente local. Se desejamos reduzir o aquecimento global para as gerações futuras, devemos integrar essas lições às nossas tecnologias modernas para criar cidades sustentáveis e de carbono zero.