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Burkina Faso: viciados em rádio

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Um jornalista transmitindo na "Rádio Omega", uma das muitas estações do Burkina Faso

Quando se trata de ouvir rádio, Burkina Faso é um dos países campeões da África Subsaariana. A proliferação de emissoras e a popularidade dos programas que dão voz aos ouvintes refletem o entusiasmo do povo burquinense por esse meio.

Yaya Boudani, jornalista em Burkina Faso

A Rádio Pulsar, em Sanyiri, um populoso distrito a leste de Uagadugu, transmite seus programas – notícias, esportes, música, entretenimento – por uma área com um raio de 45 quilômetros. Essa estação independente de rádio possui instalações modestas no primeiro andar de um prédio de três andares – apenas duas salas para produção e transmissão.  

De segunda a sexta-feira, às 7h15 da manhã, o jornalista Hermann Naze vai ao ar. Ele é o apresentador de Faut qu’on en parle! (Temos que falar sobre isso), um programa ao vivo que leva convidados ao estúdio para discutir uma grande variedade de assuntos. Eleições, terrorismo, assuntos atuais, o consumo de álcool pelos jovens – nenhum tema é proibido. “Todas as manhãs, nós damos ao público uma chance de expressar suas opiniões”, explica ele. Os ouvintes são incentivados a telefonar e, também no ar, reagir ao que ouvem..

Oferecer aos ouvintes um fórum ao vivo também é a missão do Affairage (Questões, em tradução aproximada), um programa matutino transmitido pela Ouaga FM, outra estação de rádio privada da capital. “É uma forma de rádio realidade”, explica Paul Miki-Rouamaba, editor da Ouaga FM. “Estamos interessados em todos os temas que estão sendo discutidos atualmente”.

Os ouvintes podem telefonar ao vivo para discutir experiências da vida real ou relatar problemas. Contudo, também podem questionar seus líderes e obter respostas imediatas. “Dependendo das questões levantadas no ar, contatamos pessoas que podem responder às perguntas dos ouvintes”, acrescenta o editor.

154 estações de rádio ativas

Sayouba Sanfo, lojista e lavador de roupas em Uagadugu, ouve seis ou sete estações de rádio todos os dias. Como muitos dos moradores da capital, ele às vezes participa de programas interativos “para mudar as coisas”.

“Um dia”, ele explica, “eu critiquei a maneira como um centro de saúde estava sendo administrado. Eu havia notado que as enfermeiras estavam levando suprimentos para casa, e que o lugar estava muito sujo. Quando mencionei isso na rádio, algo foi feito a respeito”.

O uso generalizado de telefones celulares ao longo da última década aproximou ainda mais o rádio e os ouvintes. Há 20 anos, as pessoas com telefone fixo podiam participar de transmissões interativas ao vivo. Agora, todos podem reagir no ar, ligando ou enviando mensagens de texto.

O sucesso desses programas participativos mostra a vitalidade do rádio em Burkina Faso. O país tem pelo menos 154 estações de rádio ativas – 47 das quais são comunitárias, 39 religiosas, 38 comerciais e 7 de propriedade estatal. Conforme uma pesquisa da AfricaScope, publicada em setembro de 2019 pela Kantar, uma empresa internacional de pesquisas de mercado, os ouvintes burquinenses são os mais comprometidos dentre os oito países da África Subsaariana incluídos na pesquisa (Burkina Faso, Camarões, Congo, Costa do Marfim, Gabão, Mali, República Democrática do Congo e Senegal).

Cerca de 62% dos residentes desses países, com 15 anos ou mais, ouviram rádio todos os dias em 2019 – por uma média de 1 hora e 20 minutos ao dia. Com um tempo médio de escuta de 3 horas e 8 minutos, Burkina Faso está bem à frente de seus vizinhos.

O entusiasmo do povo burquinense por esse meio não é novidade. Tem suas raízes em experimentos com o rádio rural na década de 1970. Em um país onde apenas 41% dos jovens de 15 anos de idade sabem ler e escrever (UNESCO Institute for Statistics, 2018), o rádio tornou possível alcançar populações – muitas vezes com baixos níveis de alfabetização – que vivem em áreas remotas, longe de povoados e cidades.

A explosão do rádio rural

“O rádio rural foi lançado em 1969. Nós precisávamos de um meio que pudéssemos usar para ensinar aos agricultores sobre os novos métodos agrícolas”, explica Seydou Drame, um especialista em direito da informação e comunicação que leciona na Universidade Aube Nouvelle e no Institut des Sciences et Techniques de l’Information et de la Communication (ISTIC), ambos em Uagadugu.

Foi assim que nasceram os “clubes de rádio” do país – grupos de ouvintes de rádio. As pessoas que vivem nas áreas rurais se reuniam ao redor de um aparelho de rádio para ouvir as transmissões. Quando os programas terminavam, sempre havia uma discussão. “A população rural imediatamente se reconheceu nesse novo meio de comunicação – que falava sobre seus problemas em línguas que eles conseguiam entender”, explica Mathieu Bonkoungou, que trabalhou vários anos na estação de rádio nacional de Burkina Faso.

Embora o francês continue sendo a língua oficial do país, na realidade, ele só é compreendido por cerca de 20% da população. Portanto, o rádio é uma forma de construir pontes entre as diferentes línguas faladas em Burkina Faso, bem como entre os diferentes meios de comunicação. Notícias e eventos atuais noticiados na mídia impressa são transmitidos no rádio – alcançando aqueles com pouco interesse ou acesso à palavra escrita, em línguas que eles entendem.

O principal programa da Savane FM, uma das estações de rádio mais ouvidas no país, é o resumo de notícias Sonré. É apresentado por Aboubacar Zida (conhecido como Sidnaba) em more, uma das línguas nacionais. Os jornalistas dividem os jornais e decidem quais artigos resumir e ler no ar. “Mesmo aqueles com um bom nível de educação ouvem o resumo de notícias no rádio”, diz Soumaïlla Rabo, o editor-chefe. “Também os ajuda a melhorar seus conhecimentos da língua more”.

O sucesso do rádio em Burkina Faso pode explicar porque os burquinenses são menos interessados por televisão. Enquanto as pessoas nos países da pesquisa da AfricaScope passam cerca de 4 horas por dia, em média, em frente à TV, o povo burquinense passa apenas 3 horas por dia.  

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