
Editorial
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Na primavera de 2020, a pandemia da COVID-19 provocou uma paralisação em todo o mundo. No entanto, o tráfico ilícito de bens culturais não parou. Pelo contrário. Os traficantes desses bens aproveitaram-se da segurança reduzida em sítios arqueológicos e museus para empreender furtos e escavações ilegais, com impunidade.
Os números comprovam: o fascínio por mosaicos, urnas funerárias, esculturas, estatuetas ou manuscritos antigos nunca foi tão grande. A pressão dessa demanda ajudou a alimentar o mercado ilegal de obras de arte e antiguidades, que agora opera principalmente online – por meio de plataformas que, muitas vezes, dão pouca atenção à proveniência original dos objetos.
Organizações criminosas e terroristas se apressaram para tirar proveito dessa brecha, utilizando o comércio ilícito para financiar suas atividades ou lavar (legalizar) suas receitas. Desde 2014, o Estado Islâmico vem organizando pilhagens volumosas e metódicas de sítios arqueológicos e museus nas regiões da Síria e do Iraque que estão sob seu controle.
Acredita-se que o fluxo ilícito de bens culturais é atualmente o terceiro maior em termos de volume, depois das drogas e das armas. Uma questão cultural, este negócio obscuro que prospera em áreas de conflito, também se tornou uma ameaça à paz e à segurança internacional.
A Convenção da UNESCO de 1970 relativa às Medidas a Serem Adotadas para Proibir e Impedir a Importação, Exportação e Transferência de Propriedades Ilícitas dos Bens Culturais, que celebra seu 50° aniversário em 2020, é mais do que nunca fundamental nessa luta.
Em meio século, muito foi alcançado para desenvolver leis preventivas, treinar profissionais, fortalecer a cooperação internacional e incentivar a devolução de obras furtadas ou exportadas ilegalmente. Uma maior consciência sobre os danos culturais, morais e materiais causados por esse tráfico, agora reconhecido como crime de guerra pelas Nações Unidas, é a prova disso. Também o demonstra a decisão tomada pelos Estados-membros da UNESCO de celebrar o Dia Internacional contra o Tráfico Ilícito de Bens Culturais, todos os anos no dia 14 de novembro.
No entanto, a dificuldade de restringir o tráfico online, as débeis sanções aos infratores e a vulnerabilidade das áreas afetadas exigem hoje um novo nível de mobilização internacional.
Ernesto Ottone Ramírez
Diretor-geral adjunto de Cultura da UNESCO