
África: a corrida pelo ouro azul
cou_01_21_wide_angle_economie_bleue_website_01.jpg

Vista como um setor estratégico por um número crescente de países africanos, a economia azul, que envolve o uso sustentável dos recursos oceânicos, pode se tornar uma importante alavanca para o desenvolvimento nos próximos anos. Porém, isso funcionará somente se forem intensificados os esforços para combater os impactos da mudança climática e da pesca predatória.
Adam Abdou Hassan
Professor e pesquisador de direito público na Universidade de Rouen Normandie, na França, e diretor executivo do Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais do Níger.
A União Africana (UA) tem aclamado a economia azul como uma “nova fronteira do Renascimento Africano”. Em sua Agenda 2063, que estabelece as direções estratégicas para as décadas futuras, a organização pan-africana identifica a economia azul/oceânica como um dos seus objetivos e áreas prioritárias. A publicação de um manual de políticas sobre a economia azul do continente, realizada em março de 2016 pela Comissão Econômica das Nações Unidas para a África é outro indicador do interesse nesse setor.
Embora ainda seja um conceito relativamente novo, a economia azul pode ser uma ferramenta poderosa para o desenvolvimento do continente africano. Alguns países, como as Seicheles, já tomaram medidas nesse sentido, integrando a exploração do oceano em seus planos de desenvolvimento. Em 2014, a África do Sul lançou a Operação Phakisa (“apresse-se” em sesoto), para explorar de forma sustentável o potencial econômico do oceano por meio do transporte marítimo e da manufatura, da exploração de petróleo e gás em alto-mar, e da aquicultura. Na África Ocidental, países como Togo e Senegal adotaram estratégias para o desenvolvimento de uma economia azul sustentável .
As perspectivas são promissoras para um continente que inclui 38 países costeiros e insulares, com águas territoriais que abrangem 13 milhões de quilômetros quadrados, em um total de 54 países. Além disso, mais de 90% das importações e exportações africanas são realizadas por via marítima.
A economia azul pode ser uma ferramenta poderosa para o desenvolvimento do continente africano
Uma fonte essencial de proteínas
Os recursos marinhos podem ajudar a resolver os problemas nutricionais e de segurança alimentar de quase 200 milhões de africanos, por meio da contribuição essencial de peixes marinhos e de água doce. Em países com deficiência alimentar e de baixa renda, os peixes fornecem quase 20% das proteínas animais consumidas por suas populações. Esse número aumenta para 50% em países insulares e costeiros densamente povoados, como Gana, Guiné e Senegal. Portanto, as apostas são altas, especialmente porque a população da África deve dobrar até 2050 – de 1,2 bilhão para 2,5 bilhões de habitantes.
Os recursos marinhos podem ajudar a resolver os problemas nutricionais e de segurança alimentar de quase 200 milhões de africanos
O setor de aquicultura e pesca – que emprega cerca de 12,3 milhões de pessoas na África – ainda é amplamente subexplorado. A indústria precisa se profissionalizar ainda mais para criar mais empregos. O desenvolvimento de empregos relacionados – tais como processamento, tratamento e transformação de pescado por meio da instalação de módulos específicos, e a fabricação e tecelagem local ou sub-regional de redes etc. – também deve ser incentivado. O desenvolvimento desses empregos permitiria a integração social de populações vulneráveis, como os jovens e as mulheres. Na África Ocidental, esses grupos já são responsáveis pela venda de quase 80% de todos os produtos alimentícios que vêm do mar. No entanto, as tarefas que realizam são mal remuneradas e suas contribuições para a economia, para o emprego e para a segurança alimentar são subestimadas.
A economia azul poderia proporcionar aos países africanos a oportunidade de dar um salto para frente no processo de industrialização. Isso poderia ser feito avançando algumas etapas, ao mesmo tempo que são integradas medidas de mudança climática e de sustentabilidade. A biotecnologia, em particular, permite a fabricação de produtos nos setores biológico, farmacêutico e alimentar, bem como oferece uma alternativa ao uso de combustíveis fósseis tradicionais. Marrocos, por exemplo, aproveitou a oportunidade econômica para explorar algas marinhas. Sua rede de parques tecnológicos BIOXPARC é um centro de biotecnologia em Marraquexe. O laboratório transfronteiriço BIOVecQ, na Tunísia, é outro exemplo do processamento sustentável de produtos aquáticos.
Espirulina e biscoitos de peixe
IA inovação e a pesquisa, especialmente em novos setores relacionados ao valor agregado dos serviços marinhos, podem estimular o crescimento azul sustentável. Essas iniciativas já estão se multiplicando em todo o continente. O Centro Songhaï, em Porto Novo, no Benim, desenvolveu um modelo de economia azul que combina energia e produção vegetal com aquicultura. Produz metano a partir de águas residuais para fornecer energia para uso doméstico. Após um processo de mineralização, os restos do composto podem ser usados para alimentar fitoplâncton, zooplâncton e bentos – que, por sua vez, são usados para alimentar peixes em uma fazenda de piscicultura.
Outro exemplo que mostra inovação é o Instituto de Pesca e Ciências Aquáticas, Yabassi, da Universidade de Duala, no Cameroun. Lá foi criada uma unidade-piloto para a produção e o beneficiamento de espirulina, usada na fabricação de sabonetes, iogurtes e bebidas. No Quênia, a AquaEdge Africa está trabalhando para transformar peixes em biscoitos ricos em proteínas.
No entanto, para explorar plenamente o potencial da economia azul, os países precisam enfrentar os impactos adversos da mudança climática e da má gestão ambiental. A África é vulnerável aos efeitos negativos da mudança climática induzida pelo ser humano. Porém, esse não é o único desafio. A exploração excessiva de algumas áreas de pesca também é motivo de grande preocupação.
A África Ocidental, uma das regiões pesqueiras mais ricas do mundo, também é uma das mais afetadas pela pesca predatória. De acordo com uma análise de 2016 sobre o comércio de peixes realizada pela Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), metade dos recursos pesqueiros ao largo da costa da África Ocidental é considerada fruto de pesca predatória. Isso se deve, em parte, à pesca ilegal.
O Instituto de Desenvolvimento Internacional (Overseas Development Institute – ODI), um think-tank independente e de atuação mundial, estima que mais de 50% dos recursos pesqueiros da zona costeira que vai do Senegal até a Nigéria já foram sobreexplorados. Estima-se que a pesca ilegal representa algo entre um terço e metade do total das capturas regionais.
Para superar esses obstáculos, será necessário um esforço conjunto por parte dos países da região. Aprovada em 2016, a Carta de Lomé da UA é uma resposta à “exploração ilegal e pilhagem dos recursos marinhos”. Ela proíbe o comércio de produtos derivados dessa exploração, o que também coloca em risco a segurança alimentar do continente. Portanto, é essencial que os Estados africanos desenvolvam respostas a esses desafios, para que suas populações possam se beneficiar plenamente dessa generosidade do oceano.
Leia mais:
Uso saudável do ecossistema marinho, O Correio da UNESCO, jan./mar. 2011
The fishermen's firebrand takes on the fleets, The UNESCO Courier, Sep. 2000
Fish farming: a 4,000-year-old growth industry, The UNESCO Courier, Nov. 1995
Assine O Correio da UNESCO para artigos instigantes sobre assuntos contemporâneos. A versão digital é totalmente gratuita.
Siga O Correio da UNESCO: Twitter, Facebook, Instagram