
A criação de uma comissão para o oceano
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Após a Segunda Guerra Mundial, alguns países passaram a defender o compartilhamento em escala global do conhecimento oceanográfico. No entanto, foi apenas em dezembro de 1960 que foi criada a Comissão Oceanográfica Intergovernamental da UNESCO, o primeiro organismo responsável por fortalecer a cooperação intergovernamental na área de ciências marinhas.
Jens Boel
Historiador dinamarquês e arquivista chefe da UNESCO de 1995 a 2017, Jens iniciou o Projeto História da UNESCO (UNESCO History Project) em 2004, para encorajar o uso dos arquivos da Organização. Seu próximo livro, Exploring the Ocean (Exploração do oceano, em tradução livre), sobre a história da COI, será publicado em 2022.
Entre 1959 e 1965, 45 navios de pesquisa de 14 nacionalidades exploraram o Oceano Índico. Atlas, mapas e estudos científicos resultantes dessa expedição revolucionaram o conhecimento geológico, geofísico e marinho-biológico sobre esse oceano. As monções e suas variações foram mais bem compreendidas, assim como recursos alimentícios e depósitos minerais foram descobertos. A expedição também permitiu que países como Índia, Indonésia, Paquistão e Tailândia construíssem ou expandissem suas infraestruturas de ciências marinhas. A Expedição Internacional do Oceano Índico (International Indian Ocean Expedition – IIOE) foi única e, na época, foi a maior exploração oceânica já lançada.
A coordenação desse esforço de pesquisa internacional sem precedentes foi a primeira atividade importante da Comissão Oceanográfica Intergovernamental (COI), que celebrou seu 60º aniversário no dia 14 de dezembro de 2020.
Compartilhamento de conhecimento
A jornada rumo à criação da COI foi longa. Já na primeira sessão da Conferência Geral, em novembro de 1946, a Índia havia proposto a criação de um instituto de oceanografia e pesca para estudar o Oceano Índico. Porém, veio do Japão a primeira iniciativa política no sentido de incluir atividades de ciências marinhas no programa da UNESCO. Em 1952, esse país apresentou um projeto de resolução com o propósito de envolver a UNESCO na promoção da cooperação internacional na área de oceanografia. Isso foi feito com o objetivo de otimizar o uso dos recursos marinhos – pesca, minerais e energia – e, assim, “fornecer uma base para a coexistência pacífica de toda a humanidade”.
As ciências oceânicas nunca estiveram em uma posição tão alta na agenda política internacional
A proposta foi bem recebida, mas não levou a nenhum compromisso significativo dos recursos da UNESCO. O início do processo ocorreu na próxima sessão da Conferência Geral, em 1954, quando o Japão novamente propôs que a UNESCO deveria lançar um programa de ciências marinhas.
O Ano Internacional da Geofísica (International Geophysical Year – IGY), de julho de 1957 a dezembro de 1958, constituiu uma parte essencial da dinâmica que finalmente conduziu à criação da COI. Nesse momento, o IGY formou a estrutura para uma ampla gama de atividades geofísicas no âmbito mundial.
A mais conhecida dessas atividades foi o lançamento, pela União Soviética, do Sputnik I, o primeiro satélite artificial, mas o IGY também fez aumentar muito o interesse da comunidade internacional em projetos oceanográficos.
Tal interesse foi impulsionado por várias razões, em especial pela curiosidade a respeito das ondas, das correntes e das marés; preocupações sobre a poluição radioativa; a busca por alimentos e outros recursos no oceano; o desejo de explorar o fundo do mar; e para se entender as interações do oceano com a atmosfera. A ideia de que era necessário coletar e compartilhar dados em escala mundial em todos esses assuntos foi ganhando terreno de forma gradual.
Em julho de 1960, a UNESCO convocou uma conferência oceanográfica em Copenhague, na Dinamarca. Delegações de 35 países se reuniram com representantes de outras agências das Nações Unidas e de organizações internacionais. Eles recomendaram que a UNESCO estabelecesse um novo organismo intergovernamental para promover a investigação científica do oceano.
A proposta foi aceita pela Conferência Geral em dezembro de 1960. Não havia precedentes: as ciências oceânicas nunca estiveram em uma posição tão alta na agenda política internacional.
Das ideias às ações
No início, a posição da COI na UNESCO não era nem um pouco óbvia. Alguns dos cientistas que lideraram a iniciativa para criar a Comissão teriam preferido o estabelecimento de uma agência separada das Nações Unidas, a Organização Oceanográfica Mundial (OOM). Outras agências da ONU questionaram por que a UNESCO deveria assumir a liderança nessa área particular. Por exemplo, tanto a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) quanto a Organização Meteorológica Mundial (WMO) apresentaram sua expertise em pesca e meteorologia, respectivamente.
Questões sobre “quem faria o que” continuaram a ser um desafio ao longo dos anos, mas a maior parte das atividades da COI têm sido realizadas em estreita cooperação com agências da ONU e outras partes interessadas. A COI também tem um papel reconhecido na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS), o marco de ação legal mundial para o oceano.
Outro desafio foi o escopo do mandato da nova Comissão. Um dos debates iniciais girou sobre se ela deveria principalmente apoiar as pesquisas mais avançadas para ampliar os limites do conhecimento humano sobre o oceano o mais rápido possível, ou se deveria se concentrar na capacitação oceanográfica de países em desenvolvimento. Na verdade, a COI tem desempenhado as duas funções, com uma ênfase maior, na atualidade, no desenvolvimento de capacidades.
Durante os seus 60 anos de existência, a COI, que agora conta com 150 Estados-membros, reorientou de forma gradual sua ênfase para sistemas de observação metódica e sustentada – como o Sistema Global de Observação do Oceano (Global Ocean Observing System – GOOS), criado em 1991 – e para o conceito abrangente de desenvolvimento sustentável. Ao mesmo tempo, a pesquisa e o compartilhamento de conhecimento sobre todos os tópicos relacionados às ciências oceânicas, como o “Relatório global sobre ciência oceânica” (The Global Ocean Science Report), continuam a ser a sua principal linha de atuação.
A pesquisa e o compartilhamento de conhecimento sobre todos os tópicos relacionados às ciências oceânicas continuam a ser a principal linha de atuação da COI
Uma de suas primeiras realizações foi o estabelecimento, em 1961, do programa Intercâmbio de Dados e Informações Oceanográficas Internacionais (International Oceanographic Data and Information Exchange – IODE), que permanece como um dos pilares da COI. Entre seus projetos, desde 2009 consta o Sistema de Informação sobre Biodiversidade Oceânica (Ocean Biodiversity Information System – OBIS).
Outro destaque das atividades da COI é o Sistema de Alerta e Mitigação de Tsunamis do Pacífico (Pacific Tsunami Warning and Mitigation System – PTWS). Criado em 1965 para salvar vidas, desde então esse sistema tem servido de modelo para outras regiões vulneráveis – incluindo o Oceano Índico, o Caribe, o Atlântico Nordeste o Mediterrâneo.
A COI assegurou a liderança da Década Internacional de Exploração Oceânica (1971-1980), para aumentar a conscientização sobre a importância das ciências oceânicas. Portanto, era natural que, 50 anos depois, a Comissão assumisse a liderança quando a ONU proclamou a Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável (Decade of Ocean Science for Sustainable Development), de 2021 a 2030.
Leia mais:
Twenty-five years of research: The Intergovernmental Oceanographic Commission, The UNESCO Courier, Feb. 1986
UNESCO and the Oceans, The UNESCO Courier, Jan. 1977
Will the Indian Ocean yield its secrets? Twenty-nation scientific expedition, The UNESCO Courier, Oct. 1962
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