
María Jiménez, a potter in Tlahuitoltepec, carries her wares to market, wearing a blouse adorned with sacred xaamnïxuy motifs. She is photographed in the corn field she cultivates with her husband and children.
María Jiménez, a potter in Tlahuitoltepec, carries her wares to market, wearing a blouse adorned with sacred xaamnïxuy motifs. She is photographed in the corn field she cultivates with her husband and children.
Os chamados motivos “étnicos” estão na moda. Revitalizados por estilistas e grandes marcas, eles adornam artigos de moda vendidos em todo o mundo – muitas vezes sem a permissão das comunidades das quais são originários. A autora deste artigo, uma antropóloga mexicana especializada em têxteis tradicionais, defende uma melhor consideração dos direitos e interesses das comunidades indígenas.
Marta Turok
Curadora da coleção de arte popular Ruth D. Lechuga, do Museu Franz Mayer, na Cidade do México, ela é autora de vários livros e artigos sobre artes e artesanato.
A história remonta a 2015. Susana Harp, uma famosa cantora que também é senadora no Congresso mexicano, ficou surpresa ao encontrar uma blusa de manga comprida bordada – muito semelhante às feitas pela comunidade indígena Mixe de Santa María Tlahuitoltepec, em seu estado natal de Oaxaca – em uma boutique de um centro comercial de Las Vegas.
A peça, que levava a marca de um estilista francês, havia sido confeccionada na Índia utilizando o mesmo padrão, técnica de bordado, cores e desenho que as originais. A única diferença era que a blusa estava sendo vendida nos Estados Unidos por US$ 290, comparado a cerca de US$ 35 em Tlahuitoltepec.
Indignada, Harp compartilhou nas redes sociais uma imagem dos dois modelos da blusa, juntamente com sua etiqueta, que não fazia nenhuma menção à sua origem. Ela também entrou com uma ação judicial alegando plágio e apropriação cultural.
Nos meses que se seguiram, líderes comunitários fizeram várias declarações públicas em Oaxaca e na Cidade do México, acompanhados por representantes das bordadeiras. Destacaram que o estilista não os havia contatado – negando-lhes, dessa forma, a oportunidade de explicar o significado dos motivos da blusa. O desenho tradicional de vestuário, que tem 600 anos, não estava à venda, declararam eles. A verdadeira questão, insistiram, não tinha nada a ver com a concessão de permissão ou o pagamento de royalties e direitos autorais ou de reprodução.
Em outra reviravolta surpreendente dessa história, outra empresa de moda francesa também estava processando a mesma estilista nos tribunais franceses por plágio, alegando seu uso anterior de motivos Mixe idênticos. A fim de vencer o caso, a estilista alegou que havia visitado a comunidade e comprado a blusa diretamente dela.
Apresentando provas de que essa viagem havia ocorrido antes da época especificada pela demandante, a estilista concluiu que havia “tomado emprestado” o desenho da blusa e seus bordados da comunidade de Santa María Tlahuitoltepec – reconhecendo, assim, não ser proprietária do desenho. Enquanto isso, a pedido do Senado mexicano, o Instituto Mexicano de Propriedade Industrial (IMPI) declarou que não houve plágio porque a “obra” não havia sido registrada.
Por fim, deve-se notar que o texto na etiqueta indicava que a blusa havia sido “feita de musselina de algodão cru e delicadamente bordada com fios pretos e bordô, para formar um lindo desenho floral”.
No entanto, os motivos reproduzidos na blusa Tlahuitoltepec original – denominada xaamnïxuy na língua Mixe – representam uma paisagem sagrada: o sol, os cactos de agave, a terra, o caminho, a montanha, a oferenda, a água e a flor. Nesta comunidade, usar a xaamnïxuy todos os dias é uma questão de identidade e de proteção.
Nesse caso, o que a comunidade queria era simplesmente ter seus desejos respeitados e seu patrimônio, reconhecido. Seus representantes se recusaram a permitir que a blusa fosse retirada do seu contexto cultural e transformada em mera mercadoria no mercado mundial de moda rápida (fast fashion). Enquanto a produção e os benefícios econômicos permanecessem sob seu controle e respeitassem seus critérios, não viram qualquer obstáculo para que os artesãos produzissem e vendessem a blusa e outras peças de vestuário dentro e fora da comunidade.
O que a comunidade queria era simplesmente ter seus desejos respeitados
Curiosamente, as vendas de xaamnïxuy aumentaram após a campanha midiática. No primeiro encontro latino-americano para a defesa do patrimônio cultural, do conhecimento ancestral, da propriedade intelectual coletiva e dos territórios dos povos indígenas, realizado em setembro de 2018 em San Cristóbal de las Casas, no estado de Chiapas, tecelãs e bordadeiras também concluíram que: “Nosso conhecimento não deve ser privatizado ou patenteado; nossos projetos e nosso patrimônio cultural fazem parte da vida dos nossos territórios”.
O caso da blusa bordada da comunidade de Santa Maria Tlahuitoltepec é emblemático dos debates sobre propriedade intelectual. Atualmente, os povos e comunidades indígenas, bem como seus artesãos, estão cada vez mais contestando o que consideram ser o mau uso de seus elementos culturais por pessoas de fora – sem consulta ou autorização prévia. Como consequência lógica, as ações judiciais por apropriação cultural, plágio ou roubo estão se multiplicando.
A globalização, as novas tecnologias e a mobilidade geográfica estão acelerando a disseminação da informação, dando à diversidade cultural uma visibilidade mundial que ela nunca teve antes. As repercussões desse processo são ambivalentes e paradoxais. Na ausência de mecanismos de proteção dos direitos culturais coletivos, atores de fora da comunidade produtora têm fácil acesso aos motivos e às formas que utilizadas – frequentemente exibindo uma atitude que poderia ser descrita como neocolonialista. Por outro lado, esses mesmos fatores permitem que as pessoas e seus aliados estejam mais bem informados e denunciem abusos com maior rapidez.
Por exemplo, entre 2012 e 2019, a organização não governamental Impacto – que faz campanha em prol dos direitos dos povos indígenas – documentou pelo menos 39 casos de plágio na área têxtil, cometidos por 23 marcas de moda de todo o mundo. Tais práticas são regularmente mostradas pela mídia.
Ainda assim, os abusos continuam e as punições são extremamente raras. As comunidades afetadas podem apenas assistir, impotentes, enquanto as empresas locais, a indústria e as grandes marcas internacionais exploram a tendência da moda “étnica”, uma vez que não há propriedade aparente ou proteção jurídica. Exemplos dessa apropriação continuam a aumentar, sem que ninguém pareça se importar – o que leva a um crescente sentimento de injustiça, indignação e desapropriação entre os explorados
Os abusos continuam e as punições são extremamente raras
Parte do problema reside no fato de que as leis de propriedade intelectual e industrial da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI, ou World Intellectual Property Organization – WIPO), assim como as reivindicações dos povos indígenas prejudicados, são fundamentadas em filosofias e visões de mundo diametralmente opostas – nas quais os conceitos de propriedade e patrimônio são vistos e vivenciados de maneiras diferentes.
Nesse contexto, a recente reforma da Lei Federal de Direitos Autorais do México é um passo na direção certa. Aprovadas em janeiro de 2020, as novas disposições preveem a retirada do domínio público de obras de artesanato e arte popular, garantindo-lhes a mesma proteção e o mesmo respeito de qualquer obra literária ou artística.
Além disso, a fim de explorar, comercializar ou industrializar obras de arte tradicionais, a partir de agora será necessário solicitar autorização às comunidades que as possuem. Também está em discussão uma lei de salvaguarda que puniria o uso não autorizado (plágio) de elementos da cultura e da identidade de povos e comunidades. Esse texto jurídico criará um sistema de proteção, defesa, identificação, documentação, pesquisa, promoção, valorização, transmissão e revitalização desses elementos nos níveis federal, estadual e municipal.
Esse é um primeiro, mas importante passo no longo caminho para aprimorar a consideração dos direitos e interesses das comunidades indígenas.
Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, 2005
A prince embroiderer without a kingdom, The UNESCO Courier, Jul./Aug. 2001
Intangible heritage, The UNESCO Courier, May 2006
Foto: Eric Mindling
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