
Scott Kulp: “A elevação do nível do mar é um perigo no curto prazo”
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A quantidade de pessoas em risco devido à elevação do nível do mar pode ser três vezes superior ao que foi estimado anteriormente, de acordo com uma pesquisa da Climate Central, uma organização independente de notícias e ciência climática sediada em Princeton, Nova Jersey.
Scott Kulp, cientista computacional sênior e desenvolvedor sênior do Programa de Elevação do Nível do Mar da Climate Central, e principal autor do estudo de 2019, utilizou inteligência artificial para analisar esse fenômeno – que pode levar milhões de pessoas ao exílio já em 2050.
Entrevista por Shiraz Sidhva
The UNESCO Courier
De acordo com seu estudo, Flooded Future: Global Vulnerability to Sea Level Rise Worse Than Previously Understood (Futuro inundado: vulnerabilidade mundial à elevação do nível do mar mais grave do que o anteriormente compreendido, em tradução livre), as regiões costeiras de todo o mundo estão mais expostas do que se pensava anteriormente. O senhor se surpreendeu com os resultados?
Nós esperávamos que o nosso estudo revelasse riscos maiores em todo o mundo, mas não na medida em que vimos. Nossos achados mostram que, dentro de 30 anos, podem ser esperadas inundações costeiras, no mínimo anuais, em áreas que atualmente abrigam 300 milhões de pessoas. E 150 milhões de pessoas vivem em terras que deverão ficar abaixo da linha da maré alta até 2050, o que significa que, sem defesas costeiras, esses locais podem se tornar praticamente inabitáveis.
Em um cenário de emissões elevadas, e próximo da extremidade da sensibilidade do aumento do nível do mar ao aquecimento para o modelo utilizado neste estudo – regiões que abrigam cerca de 10% da população mundial – podem estar ameaçadas até ao final do século, quer por inundações crônicas ou permanentes.
Em quanto se espera que os níveis globais do mar aumentem no século XXI?
No final deste século, a maioria das projeções mostra que o nível do mar se elevará de 0,5 a 1 metro, com uma taxa de elevação acelerada, e isso acompanharia inundações costeiras mais frequentes e severas.
Nosso estudo descobriu que a redução das emissões mundiais de carbono tal como proposto no Acordo de Paris poderia, até o final deste século, evitar que o risco de inundações costeiras anuais e permanentes se expandisse para terras onde atualmente vivem 30 milhões de pessoas. No entanto, para além disso, tal ação reduziria o perigo de muitos outros riscos da mudança climática.
Quais regiões serão mais afetadas?
A elevação do nível do mar é uma história mundial e afeta todas as nações costeiras. Contudo, nas próximas décadas, os maiores efeitos serão sentidos na Ásia, devido ao número de pessoas que vivem nas áreas costeiras do continente. Bangladesh, China, Índia, Indonésia, Tailândia e Vietnã abrigam a maioria da população que vive em terras estimadas para ficarem abaixo dos níveis médios anuais de inundações costeiras até 2050.
Em conjunto, esses seis países representam cerca de 75% dos 300 milhões de pessoas que viviam em áreas que enfrentavam a mesma vulnerabilidade em meados do século passado.
Alguns países já tomaram medidas drásticas para responder aos crescentes riscos de inundações costeiras que são, ao menos parcialmente, causadas pelo aumento do nível do mar. A Indonésia, por exemplo, decidiu transferir sua capital de Jacarta para terrenos mais altos na ilha de Bornéu. À medida que o oceano continua a subir, iniciativas de grande escala como essa se tornarão cada vez mais comuns.
O aumento do nível do mar é uma história mundial e afeta todos os países com faixa litorânea
Como as cidades costeiras mais afetadas podem se preparar para a inevitabilidade da elevação do nível do mar?
Várias cidades em toda a Ásia – em Bangladesh, China, Índia, Indonésia, Vietnã – possuem áreas cuja elevação foi determinada pelo CoastalDEM como mais baixas do que a linha da maré alta local. Provavelmente, isso é uma indicação de que as defesas naturais ou artificiais, como paredões, diques e barragens viabilizam que as pessoas vivam lá atualmente.
É possível ver exemplos disso em Xangai, bem como nos Países Baixos e em Nova Orleans, onde projetos abrangentes de controle de inundações costeiras protegem grandes cidades. No entanto, à medida que o nível do mar continua a subir, também aumentarão os custos para manter e melhorar essas defesas, bem como o custo do fracasso.
Existem também exemplos de defesas naturais, como dunas e zonas úmidas, e a distância da costa. É provável que tudo isso esteja limitando o impacto das inundações costeiras em terras que atualmente são vulneráveis, mas a elevação dos mares inevitavelmente reduzirá a proteção que oferecem.
O risco não se limita à Ásia. Na França, na Alemanha e no Reino Unido; no Egito, no Iraque e na Nigéria; no Brasil e nos Estados Unidos, as terras baixas abrigam grandes comunidades que provavelmente precisarão de mais proteção à medida que aumenta a gravidade das inundações costeiras.
Qual é a situação atual dos Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento (SIDS, na sigla em inglês)?
A nossa pesquisa destaca a gravidade dos riscos da elevação do nível do mar enfrentados pelos SIDS, muitos dos quais estão incapacitados para investir em respostas.
Nas Maldivas, cerca de metade da população vive em áreas previstas para ficarem abaixo da linha de maré até 2100. Nas Ilhas Marshall, esse número é de aproximadamente 80%. À medida que os mares sobem, as inundações costeiras nessas áreas serão mais frequentes e mais graves, o que pode torná-las praticamente inabitáveis muito antes do final deste século.
Essas ameaças crescentes são, em grande parte, o resultado das emissões de carbono por parte das nações mais ricas e, sem o apoio dessas nações, os governos dos SIDS podem não ter os recursos necessários para ajudar seus habitantes na adaptação à elevação do nível do mar.
Nas Maldivas, cerca de metade da população vive em terras que até 2100 estarão abaixo do nível do mar
O seu projeto, CoastalDEM, utiliza inteligência artificial (IA) em vez dos dados de satélite empregados por modelos anteriores da NASA. O que essa nova tecnologia tem a oferecer?
Compreender a ameaça real colocada pela futura elevação do nível do mar requer uma melhor medida da situação em que nos encontramos. Esse é o objetivo do CoastalDEM.
Desenvolvido com o uso do aprendizado de máquina, o novo conjunto de dados é substancialmente mais preciso do que a Shuttle Radar Topography Mission (SRTM), da NASA, em especial em áreas densamente povoadas – exatamente aqueles lugares onde a maioria das pessoas e das estruturas estão ameaçadas pela elevação do nível do mar.
Nosso trabalho pode e deve ser melhorado, mas, para os planejadores em muitas nações costeiras, ele representa a fonte mais precisa disponível para avaliar os riscos representados pela elevação do nível do mar.
Quais são as medidas mais importantes que os governos estão sendo incentivados a tomar para mitigar a crise?
Avaliar os riscos utilizando os melhores recursos disponíveis é o primeiro e mais importante passo que os governos podem dar para proteger as pessoas e os locais ameaçados pela elevação do nível do mar. No entanto, os esforços internacionais para reduzir as emissões de carbono e o aquecimento global são essenciais para a gestão desses riscos, porque podem reduzir o ritmo de aumento do nível do mar e dar às comunidades vulneráveis mais tempo para planejar e responder a essa crise.
Se os governos procurarem limitar os impactos futuros das inundações oceânicas, eles também poderiam evitar novas construções em áreas com elevado risco de inundação, ao mesmo tempo em que protegem ou realocam as infraestruturas e os assentamentos existentes.
A elevação do nível do mar é um perigo de curto prazo: as comunidades de hoje devem fazer escolhas não apenas em nome das gerações futuras, mas também por elas próprias.
Leia mais:
Explore a elevação do nível do mar prevista e os riscos de inundações costeiras em todo o mundo com a ferramenta interativa de monitoramento de risco costeiro (Coastal Risk Screening Tool) da Climate Central
Refugees of the future will be climate refugees, The UNESCO Courier, n. 10, 2009
Uma questão de solidariedade internacional, O Correio da UNESCO, Jul./Sep. 2019
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