Construir a paz nas mentes dos homens e das mulheres

Grande Angular

Anne Muxel: “A pandemia é uma oportunidade para os jovens buscarem por significado”

cou_02_21_wide_angle_muxel_website.jpg

Leah Namugerwa, 16 anos, ativista pelo clima de Uganda, marcha pela praia de Ggaba, em Kampala, por ocasião da greve climática mundial, em novembro de 2019.

No que diz respeito à Geração Z – estaria ela voltada para si e não se interessaria por política? Esse é um equívoco comum, diz a socióloga e cientista política francesa Anne Muxel. Diretora de pesquisa no CNRS, o Centro Nacional Francês de Pesquisa Científica (Cevipof-Sciences Po), em Paris – especializada na relação entre os jovens e a política –, ela descreve uma geração comprometida e resiliente enquanto sobrevive à pandemia

Entrevista por Laetitia Kaci
UNESCO

Como podemos definir o conceito de gerações?

De um ponto de vista demográfico, trata-se de um grupo de indivíduos nascidos no mesmo período, marcados pelo mesmo contexto social e histórico. Esse é um fato objetivo. No entanto, o sentimento de pertencer a uma geração, de experiência compartilhada, de identidade comum, é uma realidade mais complexa. Dependendo da posição dos indivíduos na sociedade, sua cultura, experiências e condições de vida, essa noção de pertencimento pode, de fato, ser questionada.  

Em geral é um acontecimento, ou um conjunto de circunstâncias, que permite identificar um ponto de referência comum para indivíduos de diferentes origens sociais. Isso pressupõe a existência de marcos históricos e socioculturais em que essa faixa etária se enquadra. A esse respeito, fala-se da geração de maio de 1968 na França, ou da geração da Guerra da Argélia [1954-1962]. 

Em sua opinião, quais são os marcos que caracterizam a geração de pessoas com menos de 25 anos, conhecida como Geração Z?

Não é fácil defini-los. O conceito de geração deve ser tratado com cuidado, pois abrange uma ampla variedade de experiências individuais e diferentes formas de fazer parte da sociedade. 

A juventude é um momento crucial na vida, quando são fixadas as experiências que influenciam o futuro e a trajetória subsequente de um indivíduo. Nesse sentido, as experiências adquiridas durante este período são fundamentais. Portanto, nós podemos acreditar de forma legítima que a crise socioeconômica e a pandemia da COVID-19 terão um impacto duradouro sobre a Geração Z – que algumas pessoas já chamam de “geração COVID”. Embora todas as faixas etárias estejam expostas a esses acontecimentos, essa geração será mais afetada, uma vez que eles ocorreram no momento de sua entrada na idade adulta.

Há quem diga que a Geração Z não é politizada. Porém, seguindo o exemplo de personalidades como Greta Thunberg na Suécia, Iris Duquesne na França ou Leah Namugerwa em Uganda, dezenas de milhares de jovens em todo o mundo estão se mobilizando para defender o planeta. Como a senhora explica esse paradoxo?

Do meu ponto de vista, os jovens são politizados, sim. Eu chegaria a dizer que eles tendem a ser mais mobilizados do que os mais velhos. Estão mais interessados em questões sociais, como proteção ambiental, justiça social ou direitos humanos.

No entanto, sua mobilização não passa necessariamente por canais políticos tradicionais, seja por meio de eleições, seja pela filiação a um sindicato ou partido político. Atualmente, os jovens preferem outras formas de participação cidadã, tais como manifestações, petições, boicotes ou mobilizações coletivas nas redes sociais.  

Vários estudos mostram que, na verdade, seu envolvimento com o voluntariado aumentou nos últimos anos e que seu interesse pela política não diminuiu. Portanto, não é correta a ideia de que os jovens estão desorganizados e são indiferentes ao interesse geral. Greta Thunberg é um bom exemplo disso. A partir de um compromisso individual – que tomou a forma de uma greve escolar –, essa adolescente foi capaz de sensibilizar os jovens de todo o mundo e mobilizá-los por meio de marchas pelo clima. 

Os movimentos de cidadãos sempre existiram. Como eles são diferentes atualmente?

Muitos movimentos de transformação social envolveram manifestações e petições. Estas são, realmente, formas de expressão e práticas democráticas que já existiam há muito tempo. Contudo, essa cultura de protesto, que se espalhou de forma ampla, ganhou legitimidade – principalmente entre os jovens, que a adotaram em grandes quantidades. Anteriormente, essas ações eram percebidas como protestos. Na atualidade, elas são consideradas o coração vivo das democracias e se espalharam para outros segmentos da sociedade.

Qual é o papel das mídias digitais na mobilização da juventude nos dias de hoje? 

Os jovens estão entrando no mercado de trabalho com essas novas ferramentas de comunicação que mudaram sua relação com a vida cívica e política. Em termos de mobilização, essas ferramentas têm um efeito multiplicador e oferecem aos jovens mais possibilidades de se expressar – seja em sua vida pessoal, profissional, cultural ou política.  

As redes sociais se tornaram canais de politização que permitem aos jovens aderir e defender uma causa. Esses canais não podem mais ser ignorados. Na verdade, hoje em dia nós vemos cada vez mais líderes políticos se dirigindo aos jovens por meio dessas redes.

É justo chamar os jovens da atualidade de “geração sacrificada”?

Essa é, de fato, a imagem que a sociedade atribui a eles. No entanto, diante das provações com que são confrontados, eles têm desenvolvido uma verdadeira capacidade de resiliência e adaptação.

Esta geração jovem se caracteriza por ter crescido em uma época marcada por múltiplas crises – sejam elas de saúde, econômicas ou ambientais. Além disso, a pandemia da COVID-19 impôs restrições às liberdades dos jovens, às quais eles não estavam habituados. A pandemia também os confrontou de forma brutal com questões sobre a nossa vulnerabilidade e finitude, o que pode produzir ansiedade.

Entretanto, a atual crise de saúde é também uma oportunidade para que eles se tornem mais conscientes e busquem por um significado. Esta é uma geração que terá que encontrar um equilíbrio entre sua vida pessoal, os desafios ecológicos e tecnológicos, e o progresso científico. É também uma geração que está confiante em sua capacidade de superar essas crises. Na verdade, a experiência que os jovens vivenciam atualmente pode levar a novas e promissoras expectativas democráticas.   

 

Leia mais:

Rebeldes com causa. O Correio da UNESCO, jul./set. 2011

Juventud 1969, El Correo de la UNESCO, abr. 1969

 

Assine O Correio da UNESCO para artigos instigantes sobre assuntos contemporâneos. A versão digital é totalmente gratuita.

Siga O Correio da UNESCOTwitterFacebookInstagram.