
Edward Norton: “A história não será generosa com aqueles que negam os fatos”
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O declínio da biodiversidade coloca em risco o futuro da humanidade. Mesmo assim, apesar dos repetidos avisos, nós continuamos “a corrida para o fundo, para os resultados de curto prazo” e para “causar uma ampla destruição de outros seres vivos”.
Edward Norton, ator, diretor, ativista, embaixador da Boa Vontade das Nações Unidas para a Biodiversidade, pede por uma mudança de curso.
Entrevista por Mila Ibrahimova
UNESCO
Um milhão de espécies animais e vegetais estão ameaçadas de extinção. Como essa ameaça de extinção em massa o faz sentir no âmbito pessoal?
Desanimado e com raiva, porque a pergunta é, de forma mais adequada: “Como a ameaça da extinção em massa impulsionada pelas atividades humanas o faz sentir?” Nós simplesmente temos que ficar desanimados ao perceber a violenta e ampla destruição que estamos causando a outros seres vivos. Mas é preciso reconhecer que, agora, nós temos conhecimento desse impacto em um nível profundo e com o suporte de dados para confirmar a ciência.
E, ainda assim, nós continuamos, diante de todas as demonstrações, incluindo a clara evidência de que esse comportamento ameaça a estabilidade do nosso modo de vida e de nossas economias – a grande maioria de nossas indústrias continua o nivelamento por baixo, para o resultado de curto prazo. Essa atitude de “eu estarei morto, você estará morto, então vamos maximizar financeiramente no curto prazo e deixar o problema para os nossos netos”... é isso que me deixa com raiva. A história não será generosa com aqueles que negam e se escondem para obter ganhos pessoais – nós precisamos denunciá-los.
O que o senhor aprendeu com seus muitos compromissos para proteger a biodiversidade?
Às vezes, a biodiversidade soa como um tema acadêmico. Eu gosto de caracterizá-la como a “riqueza de vida”, porque abrange tanto o valor espiritual, para todos nós, da teia da vida magicamente complexa deste planeta em que vivemos – o verdadeiro milagre das encarnações selvagens da vida – enquanto também reconhece que toda a nossa economia está ligada à biodiversidade saudável.
Toda a nossa economia está ligada à biodiversidade saudável
Eu gosto do exemplo das abelhas e das borboletas. Um trilhão de dólares em investimentos em uma tecnologia humana para polinizar nossas lavouras não consegue replicar o que os insetos polinizadores fazem por nós de graça. Contudo, nós preferimos permitir que empresas químicas continuem produzindo pesticidas que estão causando o colapso das populações de polinizadores. Isso é suicídio, tanto economicamente quanto em termos de segurança alimentar.
A mudança climática e suas consequências afetarão principalmente as pessoas mais pobres do mundo. O senhor testemunhou pessoalmente a mudança climática e a perda da biodiversidade?
Sim, em muitos lugares e de várias maneiras. Pastores e agricultores da África Subsaariana – onde passei muito tempo – estão enfrentando ciclos cada vez mais intensos de secas e inundações, decorrentes diretamente do aquecimento global e do desmatamento das florestas. E, em locais como o Triângulo de Coral da Indonésia – onde meu pai trabalhou por muitos anos com a organização Nature Conservancy –, a pesca excessiva está devastando os meios de subsistência de muitas comunidades pobres. O mesmo ocorre na África Ocidental. E esse aumento da insegurança alimentar, causado pela pesca excessiva, está causando mais mortes da fauna selvagem. Isso leva diretamente a uma maior exposição à transmissão zoonótica [doenças transmitidas de animais aos humanos] de vírus – como estamos vivenciando agora –, que afeta a todos.
Uma de suas prioridades como embaixador da Boa Vontade das Nações Unidas para a Biodiversidade é aumentar “o foco das pessoas no fato de que o bem-estar humano está entrelaçado de maneira fundamental com a biodiversidade”. O senhor sente que sua voz é ouvida?
Às vezes é muito frustrante sentir que vozes por todo o mundo estão ficando muito altas sobre essas questões e, no entanto, a vontade política de agir de forma corajosa é frustrada por indústrias enraizadas que refreiam a mudança política de que precisamos.
Na verdade, eu não avalio “meu sucesso especificamente” em termos de conscientização. Eu me vejo como parte de um coro de vozes geracional que tenta insistir para que isso se torne a questão mais importante do nosso tempo. E acredito que a conscientização e a preocupação aumentam cada vez mais em cada geração subsequente.
Quais foram os seus maiores sucessos em termos de conscientização?
Sinto-me pessoalmente bem-sucedido quando algo em que trabalho há muito anos, como o desenvolvimento do Projeto Chyulu Forest Carbon [no Quênia], é percebido como um objetivo. Foram necessários mais de seis anos de trabalho – uma parceria entre o fundo Maasai Wilderness Conservation Trust e a organização Conservation International – para certificar esse projeto como um projeto REDD+/VCS (verified carbon standard) , gerando cerca de 650 mil toneladas de compensação por ano. E agora nós estamos vendendo esses créditos para financiar a conservação e o desenvolvimento da comunidade. Esse é um sucesso tangível.
O senhor viajou pelo mundo para aumentar a conscientização sobre como tornar a forma como vivemos sustentável para o nosso planeta. O que o senhor aprendeu com as pessoas com as quais se encontrou nessas viagens?
Aprendi que este é um desafio verdadeiramente compreendido por todos, que atravessa todas as fronteiras culturais, raciais, econômicas e religiosas. Ele transcende tudo isso e nos une. Tenho jovens amigos Maasai, no Quênia, que são tão apaixonados por isso quanto meus amigos indonésios e meus amigos norte-americanos. Isso me dá esperança.
O desafio de viver sustentavelmente transcende todas as diferenças e nos une
O relatório da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES) concluiu que as metas mundiais de conservação da natureza não podem ser alcançados pelas trajetórias atuais. Como nós podemos mudar esse curso?
Nossos líderes políticos nacionais precisam parar de receber crédito por medidas incrementais que são, no final das contas, irrelevantes. Nós precisamos de uma política econômica que impute o enorme custo social do carbono e da degradação ambiental, em todas as suas formas, àqueles que estão causando os danos. Até que paremos de socializar esses custos e fazer com que o “livre mercado” arque com os verdadeiros custos dos negócios, as práticas não sustentáveis não terão fim.
Por fim, como o senhor se sente em relação ao futuro?
É assustador, mas devemos continuar a ser determinados. E eu acredito que a engenhosidade humana criou soluções para problemas complexos repetidas vezes, muitas vezes de maneiras imprevisíveis, mesmo no limiar de seu surgimento. Nós podemos fazer isso.
*REDD+ representa os esforços dos países para reduzir as emissões decorrentes do desmatamento e da degradação florestal, bem como para promover a conservação, o manejo sustentável das florestas e o aumento dos estoques de carbono florestal. O verified carbon standard (padrão de carbono verificado), Verra ou VCS, é um padrão para certificar as reduções de emissão de carbono.
Saiba mais sobre como a UNESCO e a Guerlain estão apoiando a biodiversidade por meio do programa Women for Bees.
Leia mais:
Desafios climáticos, desafios éticos, O Correio da UNESCO, jul./set. 2019.
Bem-vindo ao Antropoceno!, O Correio da UNESCO, abr./jun. 2018.
Climate change: where are we going? The UNESCO Courier, Dec. 2009.
Man and nature: living in harmony, The UNESCO Courier, Jun. 2009.
Biodiversity: A friend for life, The UNESCO Courier, May 2000.
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