
América Latina: A era de ouro dos dinossauros
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Nos últimos anos, ocorreu uma proliferação de grandes descobertas paleontológicas na América Latina, tantas que a região é por vezes chamada de “fábrica de dinossauros”.
Miriam Pérez de los Ríos, paleontóloga e especialista na evolução dos hominídeos do Mioceno – que viveram de 23 milhões a 5 milhões de anos atrás – explica que esses avanços científicos são fruto de um interesse crescente por essa disciplina e da contribuição decisiva de novos métodos de pesquisa.
Entrevista por Laura Berdejo
UNESCO
Qual é a importância das descobertas recentes na América Latina?
A América Latina, e o Cone Sul em particular, são de grande relevância para a nossa compreensão da origem e evolução dos dinossauros. Grandes descobertas foram feitas na região argentina de La Rioja – o país tem uma longa tradição paleontológica. Um dos dinossauros mais antigos conhecidos, o Eoraptor lunensis, descoberto em 1991, viveu na região há cerca de 230 milhões de anos. Atualmente, equipes no Brasil estão à procura de um exemplar ainda mais antigo na zona fronteiriça.
Um dos mais antigos dinossauros conhecidos foi descoberto na Argentina
Existem numerosos registros desses animais ao longo da Era Mesozoica (entre 250 milhões e 66 milhões de anos atrás). Vestígios desses dinossauros podem ser encontrados em todos os cinco continentes até sua extinção em massa no final do período Cretáceo, há 66 milhões de anos. Os espécimes encontrados na região abrangem todo o seu tempo na Terra – eles foram extintos ao mesmo tempo que os pares de sua espécie no resto do planeta.
No entanto, as escavações realizadas no Cone Sul da América Latina descobriram vestígios de titanossauros – os maiores dinossauros – pertencentes a espécies únicas, como o Chilesaurus diegosuarezi, um dos poucos terópodes herbívoros conhecidos. As escavações também levaram à descoberta de dinossauros do extremo sul, representados por um enorme saurópode encontrado em Torres del Paine, no Chile.
Essas descobertas alteram o que já se sabe sobre os dinossauros em âmbito mundial?
Claro que sim, porque na paleontologia é essencial comparar os espécimes descobertos com aqueles já identificados para estabelecer a sua posição filogenética – ou seja, suas relações familiares com outros dinossauros. Outras escavações e a comparação com vestígios conhecidos nos permite compreender a sua evolução e avaliar, por meio da observação de alterações morfológicas, como ocorreu a especiação [a formação de espécies novas e distintas ao longo da evolução].
Foi assim que o Museu Nacional de História Natural de Santiago, Chile, conseguiu demonstrar, em abril de 2021, que os vestígios encontrados há cerca de 30 anos no Deserto do Atacama, no norte do Chile, pertenciam a uma espécie recém-descoberta de titanossauro, o Arackar licanantay.
Como a senhora explica essa sucessão de descobertas na América Latina nos últimos anos?
Essas últimas descobertas demonstram o progresso que está sendo realizado na América Latina no estudo das ciências, tal como a paleontologia. Historicamente, a Argentina tem liderado a expertise sobre o registro fóssil da região – devido ao grande interesse pela disciplina e à presença de importantes paleontólogos, como José Fernando Bonaparte, que descobriu mais de 20 espécies, e Rodolfo Casamiquela, um especialista nos vestígios desses grandes saurianos.
Em outros países, como Equador, Colômbia, Chile, Brasil e Peru, ocorreu uma explosão de conhecimento nas últimas décadas – graças ao trabalho de diferentes equipes ligadas a universidades e centros de pesquisa, algumas das quais são associadas a equipes internacionais, principalmente dos Estados Unidos.
A evolução das técnicas de estudo desempenha um papel na frequência das descobertas?
IEu diria que a frequência das descobertas não depende tanto dos métodos utilizados – que ainda são bastante tradicionais – mas, sim, da criação de equipes locais com elevado nível de formação científica. Nos últimos anos, muitos jovens cientistas, que fizeram doutorado nos Estados Unidos ou na Europa, retornaram a seus países de origem e começaram a desenvolver projetos de pesquisa sobre a fauna fóssil local. Isso levou não apenas à descoberta de novos materiais em regiões inexploradas e bastante isoladas – como a Patagônia e áreas de floresta tropical –, mas também à “redescoberta” de materiais que haviam sido esquecidos em museus nacionais ou locais, à espera de um paleontólogo para trazê-los de volta à vida.
As descobertas dependem da criação de equipes locais com elevado nível de formação científica
É verdade, porém, que as técnicas laboratoriais tornaram possível revelar novas características de fósseis que, anteriormente, eram impossíveis de se avaliar – como as cavidades internas do crânio ou do ouvido interno, por meio da tomografia computadorizada. Atualmente, o estudo do crescimento ósseo também é possível graças aos estudos histológicos, que analisam a estrutura de tecidos vivos. Nosso conhecimento sobre a locomoção e a mordida de animais também avançou, devido à análise de elementos finitos (Finite Element Analysis – FEA), um método de cálculo numérico que permite, entre outras coisas, simular o comportamento mecânico.
A pandemia da COVID-19 teve algum impacto nas pesquisas paleontológicas na América Latina?
O contexto de saúde mundial é um desafio para qualquer pesquisador que precise realizar trabalhos de campo e laboratoriais. Muitas das equipes tiveram suas visitas de campo canceladas porque seus participantes internacionais não puderam comparecer, uma vez que o financiamento foi suspenso, ou porque muitas das instituições que apoiavam financeiramente seu trabalho tiveram de alocar orçamentos em tarefas de controle da pandemia
Além disso, museus e instituições científicas também fecharam suas portas, o que tornou inacessíveis as coleções que contêm os fósseis a serem analisados. Da mesma forma, as conferências paleontológicas foram obrigadas a reformular seus sistemas e passaram a ocorrer de forma remota – limitando as interações dos especialistas a meras apresentações gravadas. Os comentários e os debates, fundamentais para a ciência, são perdidos. Eu penso que, como qualquer cientista, anseio pelo momento em que poderemos reencontrar nossos colegas e ter acesso aos nossos materiais de estudo.
Se um departamento de pesquisa, como aquele em que a senhora trabalha, elaborasse uma “lista dos sonhos” em termos de recursos e capacidades para os próximos cinco anos, o que ele pediria?
Em meu ponto de vista, as necessidades de qualquer núcleo de pesquisa são basicamente as mesmas: financiamento, disposição e equipes bem treinadas. Uma equipe não consegue fazer seu trabalho – por mais que deseje revolucionar a paleontologia nacional ou regional – se não houver instituições que endossem e apoiem seus projetos.
Da mesma forma, muitas vezes, as propostas de pesquisa paleontológica não são avaliadas positivamente devido à falta de conhecimento de alguns dos avaliadores locais. E isso, no final das contas, significa que existem certas linhas de pesquisa que não podem ser desenvolvidas, apesar de serem extremamente interessantes em âmbito mundial.
Por fim, na América Latina, a escassez de especialistas nos países sul-americanos retardou o desenvolvimento desse campo. Felizmente, esses colegas estão começando a treinar novos cientistas no âmbito local, de modo que, entre cinco e dez anos, pode ocorrer uma explosão de grande relevância internacional. Seria essencial poder apoiar esse desenvolvimento humano com equipamentos de alto nível, que não existem na região – ou não foram certificados em âmbito internacional e cujos resultados, portanto, não são aceitos por parte da comunidade científica.
Apesar de tudo, a paleontologia é uma disciplina em expansão na América Latina. Atualmente, vários sítios estão sob estudo, principalmente na Argentina, na região de Neuquén, ou no Chile, onde se estuda uma pegada de dinossauro na região de Termas del Flaco, nos Andes chilenos.
Miriam Pérez de los Ríos
esquisadora do Departamento de Antropologia da Universidade do Chile, em Santiago, seu trabalho é centrado na identificação das relações filogenéticas entre espécies por meio do estudo de crânios fósseis. É também membro executivo da Associação Chilena de Paleontologia.
Leia mais:
Segundo um estudo publicado em janeiro de 2021 no periódico Cretaceous Research, um fóssil de 98 milhões de anos escavado no vale do Rio Neuquén, na Argentina, pode pertencer ao maior dinossauro que já existiu na Terra.
Em 2012, os pesquisadores começaram a desenterrar os ossos fossilizados de um saurópode gigantesco. Embora o esqueleto esteja longe de completo, os especialistas acreditam que ele pode ser ainda maior do que o Patagotitan, o “Titã da Patagônia” – que, com 37 metros de comprimento e quase 70 toneladas, é o maior dinossauro conhecido atualmente. Esse grupo de saurópodes de pescoço longo foi encontrado por todo o mundo, mas alguns de seus últimos representantes viveram na América Latina, onde evoluíram e se tornaram gigantes.
Os paleontólogos, que desenterraram 24 vértebras e elementos de sua pelve e cintura escapular, não têm certeza se os ossos gigantescos pertencem a uma espécie conhecida ou a um espécime gigantesco de um dinossauro já conhecido.
Em março de 2021, a Universidade Nacional de San Luis, na Argentina, anunciou a descoberta do Llukalkan aliocranianus, um carnívoro gigante que vagava na região da atual Argentina há cerca de 80 milhões de anos. Então, em abril, o Museu Nacional de História Natural de Santiago, no Chile, apresentou o Arackar licanantay, um titanossauro com mais de 6 metros de comprimento que viveu há 66 milhões de anos no Deserto do Atacama, também no Chile.
The case of the disappearing dinosaurs, The UNESCO Courier, Feb. 1996
The disappearance of the dinosaurs, a scientific enigma, The UNESCO Courier, Feb. 1990
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