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Financiando a resiliência da natureza: um novo momento

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Delta do Rio Colorado, perto de San Felipe, no estado mexicano de Baja California, em 2011.
Delta do Rio Colorado, perto de San Felipe, no estado mexicano de Baja California, em 2011.

A edição de 2018 do Relatório Mundial sobre Desenvolvimento dos Recursos Hídricos se concentra em soluções baseadas na natureza com relação à água. A emissão de títulos hídricos é um fenômeno relativamente novo nesse campo, que atrai investimentos privados em prol de um futuro sustentável para os recursos naturais, especialmente a água. Um novo conjunto de critérios mundiais de pontuação para esses títulos poderia ajudar a transformar os mercados financeiros e impulsionar o investimento em soluções baseadas na natureza.

Por John H. Matthews, Lily Dai e Anna Creed

Cientistas do clima preveem um aquecimento global de 4ºC a 6ºC até o fim do século. Ao mesmo tempo, o mundo está entrando em uma era sem precedentes de urbanização e desenvolvimento de infraestrutura relacionada. Para garantir o desenvolvimento sustentável, essa infraestrutura precisa ter baixa emissão de carbono e ser resiliente à mudança climática, sem comprometer o tipo de crescimento econômico necessário para melhorar os meios de subsistência e o bem-estar dos cidadãos mais vulneráveis do mundo.  

Garantir que a infraestrutura construída tenha baixa emissão carbono aumenta as necessidades anuais de investimento de 3% a 4%, para US$ 6,2 trilhões, de acordo com o relatório New Climate Economy Reportde 2016, da Comissão Mundial sobre Economia e Clima. As necessidades de adaptação climática também demandam outro investimento significativo, estimado entre US$ 280 bilhões e US$ 500 bilhões por ano, até 2050, mesmo que o aumento da temperatura seja de apenas 2ºC 2016 Adaptation Finance Gap Report do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (ONU Meio Ambiente).

Fontes tradicionais de capital para investimento em infraestrutura, como governos e bancos comerciais, são insuficientes para atender às demandas de capital até 2030. Investidores institucionais, principalmente fundos de pensão e fundos soberanos de riqueza, estão sendo cada vez mais considerados como atores viáveis para atender a essas lacunas de financiamento.

Títulos verdes, que oferecem uma oportunidade de mobilizar capital para investimentos “verdes” (ambientalmente sustentáveis), surgiram como instrumentos importantes de financiamento para o uso de soluções baseadas na natureza (SbN ou, em inglês, nature-based solutions – NBS). Mundialmente, o mercado de títulos verdes e climáticos existe apenas há cerca de uma década.

Começando em 2007, o Banco Europeu de Investimento (European Investment Bank – EIB) e o Banco Mundial começaram a emitir títulos “verdes” (também conhecidos como títulos “climáticos”), como um mecanismo de empréstimo para mostrar o uso de rendimentos aplicados a projetos voltados à proteção do meio ambiente. Embora os termos sejam usados de forma intercambiável, no caso dos títulos climáticos, o uso dos rendimentos foi canalizado ainda mais para contemplar projetos de mitigação e/ou adaptação à mudança climática. O posicionamento dessas instituições inspirou confiança no mercado, e outras instituições doadoras e multilaterais seguiram nesse caminho.

No entanto, como categoria de investimento, os títulos verdes e climáticos continuaram sendo mercados de nicho, com impacto limitado até cerca de 2013, quando as emissões triplicaram para cerca de US$ 10 bilhões depois que instituições financeiras comerciais e empresariais começaram a promover o mercado. Essas tendências permaneceram e se expandiram para US$ 86,1 bilhões em 2016, ultrapassando US$ 100 bilhões em 2017.

Como fonte de financiamento para o clima, esse montante está de acordo com o Acordo de Paris sobre o Clima (dentro da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima – UNFCCC), a, em vigor desde 4 de novembro de 2016) para que sejam alcançados US$ 100 bilhões em financiamento para o clima até 2020. Somente na China, títulos verdes e climáticos ultrapassaram US$ 36,2 bilhões em 2016.

Quão verdes são os títulos verdes?

Embora o mercado tenha crescido rapidamente, alguns investidores demonstraram a preocupação de que a credibilidade desses novos títulos como investimentos ambientais seja questionável, com as novas categorias de emissões. Quão verdes são os títulos verdes, e poderia a exposição de investimentos ineficientes causar um colapso ou risco sistêmico dentro da categoria de mercado?

A necessidade de padrões abertos e independentes foi identificada recentemente por algumas organizações não governamentais (ONGs) que trabalham com questões de sustentabilidade em comunidades de finanças e investidores. Demonstrou-se que a área de recursos hídricos apresenta lacunas, uma vez que os recursos de água doce são muitas vezes invisíveis para os investidores, que podem não ver imediatamente o papel intrínseco da água em projetos de energia, agricultura e urbanismo – muito menos como a água pode, em um projeto, afetar outras questões e sistemas dentro da mesma bacia hidrográfica.

Em meados de 2014, um consórcio de ONGs − Ceres, Climate Bonds Initiative, World Resources Institute, CDP (anteriormente Carbon Disclosure Project), o Instituto Internacional de Recursos Hídricos de Estocolmo (SIWI), e a Aliança para Adaptação Hídrica Global (AGWA) − coordenaram o desenvolvimento de critérios de pontuação para a qualidade de investimentos relacionados à água, de acordo com sua relevância para a mitigação da mudança climática e a adaptação climática. Juntas, as instituições organizaram uma série de grupos de trabalho técnicos e da indústria, que definiram critérios de pontuação para emissores e verificadores, para criar confiança nos títulos climáticos entre os investidores.

Avaliando as soluções baseadas na natureza

Esses critérios pontuam, com efeito, a resiliência climática e o potencial adaptativo ao clima desses títulos, assim como seu impacto ambiental. Como sempre, engenheiros, cientistas e gerenciadores de recursos compreendem bem essas questões. Porém, o nível de conscientização, até mesmo o básico, entre investidores e grupos financeiros é muito mais limitado. A Fase 1 da operação teve como objetivo os investimentos “cinzas” tradicionais em infraestrutura hídrica, excluindo hidrelétricas, e foi lançado em outubro de 2016.

Mais amplamente, o risco de greenwashing [“maquiagem” verde, ou seja, a atuação de fachada em soluções ambientais] para soluções baseadas na natureza – investimentos em infraestrutura verde e híbrida – é muito alto. Não existe padrão algum corroborado pela ciência para esse tipo de investimento, muito menos a capacidade de se certificar de que os ecossistemas envolvidos vão subsistir e ser resilientes aos impactos climáticos.

Reconhecendo essa lacuna, em 2016, a Fundação Rockefeller ofereceu apoio para desenvolver critérios da Fase 2, para avaliar e qualificar SbN para investimentos hídricos. Os investimentos em SbN dependem explicitamente do uso de ecossistemas para oferecer serviços cinzas similares à infraestrutura, como por meio da chamada infraestrutura natural ou verde, e a híbrida. Esses serviços poderiam incluir a proteção contra águas pluviais e inundações por meio de ecossistemas ribeirinhos, o tratamento da água em zonas úmidas e o armazenamento de água em aquíferos. Esses critérios aditionais foram lançados no início de 2018 .

Juntas, ambas as fases avaliam o impacto da mitigação climática e a capacidade dos investimentos de contribuir para a adaptação à mudança climática.

Em maio de 2016, a Comissão de Serviços Públicos de São Francisco (San Francisco Public Utilities Commission - SFPUC), na Califórnia, nos Estados Unidos, emitiu o primeiro título verde certificado do mundo para a água, por US$ 240 milhões. Um segundo título de US$ 259 milhões foi emitido pela SFPUC em dezembro de 2016. Ambos os títulos são certificados pelo parâmetro de títulos climáticos (climate bonds standard), uma ferramenta de verificação de investidores que especifica os critérios que devem ser cumpridos para que os títulos sejam considerados “verdes” ou destinados ao financiamento de iniciativas de baixo teor de carbono relacionadas aos recursos hídricos.

Em julho de 2017, Cidade do Cabo emitiu o primeiro título verde certificado da África do Sul por R 1 bilhão (de rands sul-africanos). Em setembro de 2017, o Banco de Desenvolvimento da China (CDB), um banco estatal, anunciou que emitirá títulos verdes por ¥ 5 bilhões (de yuans) para levantar fundos para a proteção de recursos hídricos ao longo do Cinturão Econômico do Rio Yangtzé, segundo reportagem do jornal China Daily.

A emissão e a venda bem-sucedidas desses e de outros títulos de acordo o parâmetro representam uma mudança animadora na conscientização dos investidores. Até agora, mais de US$ 1 bilhão foram emitidos de acordo com os critérios cinzas – um número que também se espera alcançar rapidamente com os critérios de soluções integradas baseadas na natureza. Em uma época de transformações ecológicas e climáticas, esses critérios também estão ajudando a transformar a própria forma com que se lida com as finanças.

Mais informações:

O Relatório Mundial sobre o Desenvolvimento dos Recursos Hídricos (United Nations World Water Development Report − WWDR), lançado anualmente no Dia Mundial da Água (22 de março) e publicado Programa Mundial de Avaliação dos Recursos Hídricos (World Water Assessment Programme – WWAP) da UNESCO, em estreita colaboração com membros e parceiros da ONU Água, é o principal relatório anual da Nações Unidas para diferentes questões estratégicas relacionadas aos recursos hídricos.

The Green Bond Market 2012 – 2017 Year to Date

John H. Matthews

John H. Matthews (Estados Unidos) é coordenador e cofundador da Aliança pela Adaptação Hídrica Global (Alliance for Global Water Adaptation – AGWA), promovida pelo Banco Mundial e pelo Instituto Internacional de Recursos Hídricos de Estocolmo (SIWI).

Lily Dai

Lily Dai (China) é analista de pesquisa sênior na Iniciativa de Títulos Climáticos (Climate Bonds Initiative).

Anna Creed

Anna Creed (Reino Unido) é diretora de parâmetros na Iniciativa de Títulos Climáticos (Climate Bonds Initiative).