A revolução digital trouxe mudanças e desafios monumentais para a indústria da mídia. Os jornalistas tomam a dianteira das adaptações ao novo cenário da mídia ao abraçar as novas tecnologias, se reinventar e adotar novos modelos de negócios. A história da Laisvės (Liberdade) TV, da Lituânia, um canal de televisão independente transmitido pela internet e financiado pelo público, é prova disso.
Por Andrius Tapinas
A era digital chegou, quer gostemos ou não. E se você pertence à velha guarda da mídia, é bem provável que não goste. A imprensa e a televisão tradicionais foram pegas desprevenidas – tecnológica, financeira e criativamente – pela revolução digital, e estão passando pelos maiores desafios que já enfrentaram. Elas têm condições para enfrentar esses desafios? Na verdade, não. Mas elas não têm escolha – ou nadam ou afundam.
O advento da internet, há mais ou menos 30 anos, viciou o mundo em uma das drogas mais poderosas disponíveis às sociedades modernas – o acesso livre e imediato à informação.
Antes que pudessem entender o que estava acontecendo, uma segunda onda – as mídias sociais – atingiu a velha guarda. Essa onda era maior e mais forte do que a internet e teve consequências mais severas. As empresas de mídias sociais ficaram em uma posição de vantagem, com a redução da quantidade de assinaturas pagas de jornais e revistas, e com a defasagem dos canais de TV em relação aos milhares de sites de notícias da internet.
De repente, todo mundo se tornou a mídia – operador de câmera, editor, escritor, jornalista, promotor – em um só pacote. Os guardiões da informação viram seus portões ruírem e perderam o maior privilégio de todos – o direito de decidir o que é importante e o que não é.
A eleição de Donald Trump, em novembro de 2016, para o maior cargo público dos Estados Unidos, é o exemplo mais dramático da natureza onipresente das mídias sociais. Os meios de comunicação tradicionais o odiavam com veemência, mas, mesmo assim, os antigos figurões não puderam fazer absolutamente nada, ao se virem forçados a atender às mídias sociais para não cometer suicídio comercial na frente de seus leitores e espectadores. E, assim, Donald Trump se tornou o primeiro presidente das Mídias Sociais dos EUA.
Qualquer um pode ser uma estrela
Nos primórdios da era das mídias sociais, a velha guarda não deu importância a elas, taxando-as de ferramentas para os jovens. Eis que chega o YouTube: o maior repositório de televisão e serviço de hospedagem de vídeos do mundo, sendo que, ele próprio, não cria quase nada de conteúdo, mas é um porto seguro para todos os aspirantes a qualquer coisa da face da Terra. Qualquer pessoa, em qualquer lugar do mundo, hoje em dia, pode ser qualquer coisa que sonhar – cantor, chef, boxeador, estrela da mídia. O céu é o limite, e é tudo de graça.
PewDiePie (nascido Felix Arvid Ulf Kjellberg, na Suécia, em outubro de 1989), um comediante que atua na internet e produtor de vídeo, se tornou o rei não coroado do YouTube, com quase 55 milhões de seguidores! Dois dos youtubers que mais fazem mais sucesso na Lituânia – Whydotas (Vaidotas Grinceviĉius) e The3dvinas (Edvinas Navikas) – têm mais assinantes do que os quatro canais de TV nacionais juntos.
Claro, nem tudo é positivo nas novas mídias e, às vezes, o preço se a pagar é alto. Notícias falsas, linchamentos virtuais, trolls e acusações infundadas se proliferam – é uma liberdade sem limites. Não existem filtros nem edição, e nenhuma necessidade de ter comedimento ou decência se a pessoa não quiser.
Estamos no auge de uma transformação midiática forçada pela ascensão da internet. Como jornalistas, temos de aceitar a revolução e deixar de lado nossas inibições para abraçar o digital. Com nossas qualidades profissionais, ainda temos vantagens sobre a maioria dos novatos que atuam hoje em dia.
As novas tecnologias permitem uma liberdade sem precedentes, principalmente nos países onde a imprensa é controlada pelo governo. Agora é o momento perfeito de emitir sua opinião e fazê-la ecoar por todo o mundo. Interagir com o público é crucial, a resposta instantânea do público é uma ferramenta poderosa.
Financiamento coletivo pelos espectadores
As mudanças no jornalismo podem ser vistas como uma consequência positiva. Elas nos forçaram a ser criativos e a inventar novos modelos de negócios para sobreviver, como é o nosso caso.
Motivado pelo choque de perder meu programa na televisão lituana, decidi reagir. Fundei a Laisvės (TV Liberdade) em setembro de 2016. É um canal de televisão na internet totalmente independente, pago por meio de financiamento coletivo (crowdfunding) realizado pelos espectadores.
Transmitimos 15 programas por mês e vamos acrescentar pelo menos mais três no outono de 2017. O conteúdo inclui sátira política em lituano e russo, programas de entrevistas, jornalismo investigativo, análise política e documentários positivos.
Nossa equipe – formada por profissionais que trabalham em horário integral, assim como autônomos – inclui uma equipe técnica completa, de editores a operadores de câmera, jornalistas e roteiristas. Uma pequena equipe administrativa também cuida da comunicação para o canal. Nossos principais programas são filmados em teatros com câmeras de alta definição, em frente a um público ao vivo de 200 a 250 pessoas.
Somos uma organização sem fins lucrativos e, por isso, temos de fazer as contas fecharem. Isso requer austeridade. A maior parte do nosso equipamento é alugada, ou pertence aos profissionais que contratamos. A maior parte do nosso trabalho é realizada online, e usamos um pequeno escritório para reuniões e edição. Temos planos de passar para um escritório maior no outono de 2017.
Alcançamos nossa meta financeira de 15 mil euros em dez dias, em cima da hora do lançamento. Quase 5 mil pessoas se comprometeram a nos ajudar financeiramente no primeiro mês. Os assinantes têm a liberdade de nos apoiar por quanto tempo quiserem, sem obrigação de continuar. Para um país com menos de 3 milhões de habitantes, essa conquista foi um fenômeno. Também somos financiados por patrocinadores comerciais que aceitam não interferir na autonomia do canal.
Um modelo de negócios consolidado
O fato de eu me colocar, junto à minha equipe, nas mãos do público foi a aposta mais arriscada de minha carreira jornalística. Pairavam algumas questões: eles pagariam por algo que poderiam ter de graça, mas que deixaria de existir se não pagassem? Nosso espírito é público o suficiente para apoiar a mídia independente por meio de contribuições financeiras? Os especialistas em meios de comunicação da Lituânia estavam céticos. Porém, nós fomos em frente assim mesmo.
Em março de 2017, sugerimos que nossos espectadores utilizassem a possibilidade de separar 2% dos seus impostos para a TV Laisvės. Ficamos curiosos para saber o quanto de nosso financiamento veio dessa iniciativa.
Em quatro meses, a TV Laisvės se tornou a maior entidade de mídia lituana no YouTube, com alguns dos programas alcançando números de audiência de seis dígitos e competindo com os programas mais populares da TV tradicional. Em oito meses, os especialistas em mídia começaram a admitir que estavam errados e passaram a dar notícias sobre nossos planos de expansão.
Nosso modelo de negócios é novo e se insere na revolução digital, mas não é exclusivo. Projetos jornalísticos semelhantes, financiados pelo público, já foram lançados nos Países Baixos, na Suíça, na Índia e em vários outros países.
Não é fácil, é o trabalho mais difícil que já realizei em minha carreira de quase 20 anos. No entanto, é o único caminho que quero percorrer como jornalista. E foi a revolução digital que me deu essa chance.