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Compartilhamento livre e legal para uma melhor aprendizagem

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Creative Commons
A falta de acesso universal a recursos educacionais eficientes continua sendo um problema mundial. Porém, segundo Cable Green, a boa notícia é que a educação aberta está ampliando o acesso, reduzindo os custos e melhorando a aprendizagem de estudantes em todo o mundo.

Por Cable Green

Nós vivemos em uma época de abundância de informação, em que todos, pela primeira vez na história, podem ter acesso a todo o conhecimento que desejarem. A chave para essa mudança profunda nas oportunidades de educação está nos recursos educacionais abertos (REA), – termo cunhado pela UNESCO em 2002 –, materiais disponíveis que podem ser baixados, editados e compartilhados legalmente, para servir melhor a todos os estudantes.


Cable Green, Director of Open Education at Creative Commons.

CC David Kindler

Nos últimos 20 anos, os recursos educacionais – livros didáticos, vídeos, cursos, programas de graduação etc. – que usamos para ensinar as pessoas a ler e a escrever, a aprender sobre física e pensar criticamente já “nasceram digitais”. Embora ainda sejam usadas cópias impressas e a remessa de materiais didáticos por fora da internet, sempre existe o arquivo digital. Graças à internet, ao baixo custo do espaço em disco e à computação em nuvem, agora podemos armazenar, distribuir e fazer cópias de recursos educacionais digitais com custo marginal zero.

Porém, como os educadores podem compartilhar conteúdo de aprendizagem digital sem violar leis de direitos autorais (copyright) – ou seja, como eles podem compartilhar legalmente?

A principal característica distintiva de um REA é sua licença aberta de direitos autorais e as permissões legais que a licença concede ao público para usar, modificar e compartilhar esse conteúdo. Se um recurso educacional não apresenta uma indicação clara de que está em domínio público ou tem licenciamento aberto, ele não é um REA.

A forma mais comum de dar licença aberta a recursos educacionais protegidos – ou seja, torná-los REA – é por meio da iniciativa Creative Commons (CC). Estas são licenças padronizadas, para uso livre, de direito autoral aberto que já foram aplicadas a mais de 1,2 bilhão de trabalhos protegidos legalmente, publicados em 9 milhões de websites, de acordo com o relatório State of the Commons de 2015. Quando os autores aplicam uma licença CC ao seu trabalho, eles continuam sendo detentores dos direitos autorais e compartilham o trabalho com o público de graça, sob os termos e as condições que escolherem.

Maximizar as potencialidades dos REA

Vale mencionar que “aberto” não significa “gratuito”. Todos os REA podem ser acessados livremente, mas nem todos os conteúdos gratuitos são REA. Muitos Massive Open Online Courses (MOOCs), por exemplo, são gratuitos, mas não são abertos. O acesso a certo MOOC pode ser gratuito, mas ele somente é considerado REA se o seu conteúdo tiver licença aberta ou se estiver em domínio público. Isso se torna criticamente importante quando se deseja traduzir um MOOC para línguas diferentes e/ou modificá-lo, para que se adapte ao contexto local e às necessidades dos alunos.

Os REA podem ser gratuitamente retidos (guardar uma cópia), reutilizados (usar tal como são), revisados (adaptar, ajustar, modificar), reformulados (misturar com conteúdo diferente para criar algo novo) e redistribuídos (compartilhar cópias com outras pessoas) sem que as leis de propriedade intelectual sejam desrespeitadas. É claro que, se a intenção é maximizar as potencialidades dos REA, educadores e estudantes também devem ter acesso a infraestruturas de tecnologia de informação e comunicação (TIC) – computadores, dispositivos móveis e conexão de internet, em todos os espaços para todas as pessoas.

Em suma, os REA são possíveis porque: a) os recursos educacionais são digitais – a maior parte dos REA “nasceu digitalmente”, embora seja possível disponibilizar REA aos alunos em formatos digital e impresso – e recursos digitais podem ser armazenados, copiados e distribuídos a um custo quase nulo; b) graças à internet, o compartilhamento de conteúdo digital é muito simples para qualquer pessoa; e c) as licenças abertas da Creative Commons são uma forma simples e legal de se manter os direitos autorais e compartilhar legalmente recursos educacionais com o mundo.

Que diferença fazem os REA? 

Quando faculdades e universidades fazem a transição para os REA, isso possibilita uma série de mudanças educacionais positivas. A primeira coisa que acontece é que o acesso igualitário a recursos educacionais aumenta. Todos os alunos podem ter acesso a todos os recursos educacionais que foram elaborados para que eles tenham um bom desempenho em sala de aula desde o primeiro dia. Isso pode soar óbvio, mas, mesmo nos Estados Unidos, dois terços dos alunos de faculdades e universidades não compram os livros didáticos requeridos para suas disciplinas, porque não podem pagar por eles.

O segundo impacto positivo é que todos os estudantes adquirem acesso a conteúdos educacionais relevantes e contextualizados, e que foram elaborados para eles. Um professor em Mumbai pode baixar um livro didático com licença aberta que foi compartilhado pela Universidade de Barcelona, traduzi-lo para o hindi e atualizá-lo com exemplos que chamem a atenção de seus estudantes.

O terceiro é que os resultados da aprendizagem aumentam ou continuam iguais, enquanto o custo cai para próximo de zero. Quando todos os alunos de uma sala de aula têm acesso a todos os recursos desde o primeiro dia, eles têm bom desempenho. Uma análise, publicada em um periódico, realizada com mais de 16 mil estudantes de instituições públicas mostrou que estudantes que usam materiais didáticos abertos têm desempenho igual, se não melhor, do que os que usam materiais didáticos tradicionais (Fischer, Lane; Hilton, John; Robinson, T. Jared; Wiley, David. A multi-institutional study of the impact of open textbook adoption on the learning outcomes of post-secondary students. Journal of Computing in Higher Education, 2015).

Quarto, observou-se que a proporção de alunos que completam os cursos aumenta. Em uma aplicação controlada de REA no Tidewater Community College, alunos que usam REA em vários formatos de cursos tiveram uma taxa de desempenho até 11% melhor em termos de resultados e conclusão de curso (Fischer, Lane; Hilton, John; Wiley, David; William, Linda. Maintaining momentum toward graduation: OER and the course throughput rate. The International Review of Research in Open and Distributed Learning, 2016). 

Os alunos permanecem nos cursos e têm bons desempenhos quando têm acesso a todos os recursos educacionais de que precisam para avançar. Como mais alunos estão completando seus cursos, o tempo que levam até obter o diploma também é reduzido. Com os REA, as instituições educacionais ajudam os estudantes a navegar em suas oportunidades educacionais com maior velocidade e sucesso – trata-se de um investimento público mais eficiente.

Quinto, uma vez que temos REA em nossos espaços de aprendizagem, alunos e professores podem realizar a mudança para práticas educativas abertas – “práticas colaborativas que incluem a criação, a utilização e o reutilização de REA e práticas pedagógicas que empregam tecnologias participativas, aprendizagem entre pares, criação e compartilhamento de conhecimento e o empoderamento dos estudantes” (Cronin, Catherine. Openness and praxis: exploring the use of open educational practices in higher education. The International Review of Research in Open and Distributed Learning, 2017). De acordo com Cronin, os alunos se tornam coprodutores, geradores e criadores de conhecimento; eles podem criar, atualizar e aprimorar os REA enquanto aprendem.

Necessidade de políticas de apoio

Uma forma pela qual os governos podem apoiar a educação aberta é por meio da adoção uma política simples: exigir que recursos educacionais financiados publicamente tenham licença aberta. 

Políticas de licenciamento abertas para a educação inserem requisitos de licenciamento aberto em sistemas de financiamento existentes (por exemplo, subsídios, contratos ou outros acordos) que criam recursos educacionais, transformando assim o conteúdo em REA e alterando o formato padrão dos recursos educacionais 

financiados com verbas públicas, de “fechados” para “abertos”. Esse é um argumento particularmente forte relativo a políticas educacionais: se o público paga por recursos educacionais, o público deve ter o direito de acessar e utilizar esses recursos sem custos adicionais e com toda a gama de direitos legais necessários para modificar os REA, de forma a atender a suas necessidades locais.

Isso pode parecer óbvio, mas não é a regra. Infelizmente, quase sempre o que acontece é que os recursos educacionais financiados publicamente são comercializados de tal forma que o acesso é restrito aos que estão dispostos a pagar uma segunda vez por eles. Por que os cidadãos de um país deveriam ser obrigados a pagar duas vezes por um recurso educacional pelo qual já pagaram?

Governos, fundações e instituições educacionais podem e devem implementar políticas de licenciamento aberto para a educação, exigindo licenças abertas para os recursos educacionais produzidos com o seu financiamento. Políticas de licenciamento aberto fortes tornam essa espécie de licenciamento obrigatória e aplicam uma definição clara de licença aberta, usando idealmente a licença Creative Common Attribution (CC BY) que concede direitos integrais de reutilização, desde que o autor original seja indicado.

A boa notícia é que as políticas de educação aberta estão acontecendo. Em junho de 2012, ocorreu na Sede da UNESCO o Congresso Mundial de Recursos Educacionais Abertos (World Open Education Resources Congress), que produziu a Declaração de Paris de 2012 sobre os REA, que inclui um pedido para que os governos “incentivem o licenciamento aberto de materiais educacionais produzidos com recursos públicos”. É um prazer poder afirmar que muitos governos seguiram essa recomendação.

Para concluir, se queremos que os REA se disseminem, se queremos coleções de REA selecionadas para todos os anos escolares, em todas as matérias e em todas as línguas, adaptadas às necessidades locais; se queremos que exista um financiamento significativo disponível para a criação, a adoção e a atualização contínua dos REA, então precisamos de: a) conscientização universal e apoio sistemático para os REA, e b) adoção em larga escala de políticas de licenciamento aberto para recursos educacionais. Quando todos os educadores forem defensores ferrenhos do acesso gratuito e aberto aos seus recursos educacionais, quando mudarmos as regras sobre o uso de verbas públicas, quando o padrão de todos os recursos educacionais financiados por dinheiro público for “aberto” e não “fechado”, estaremos vivendo em um mundo no qual todos poderão alcançar toda a educação que desejarem.

Com este artigo, licenciado sob uma Creative Commons Attribution 4.0 International Licence, O Correio da UNESCO marca a 2o Congresso Mundial de Recursos Educacionais Abertos (2nd World Open Educational Resources Congress), em Liubliana, na Eslovênia, em setembro de 2017.  

Cable Green

Cable Green (EUA) é diretor de Educação Aberta na Creative Commons, que inclui mais de 500 pesquisadores, ativistas, defensores das áreas de direito, educação, ciência, museus e políticas, e voluntários que integram a rede mundial CC em mais de 85 países.